Sentença proferida nesta terça-feira, 27, pelo juiz federal da Subseção de Altamira, Herculano Martins Nacif, rejeita ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal, que pretendia impedir o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e as Centrais Elétricas do Norte do Brasil (Eletronorte) de fazer estudos preliminares para a construção da usina hidrelétrica do Monte, na região do Xingu. Da decisão cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 1ª Região, em Brasília.
A ação civil pública, ajuizada pelo MPF no ano passado, já teve vários desdobramentos e, antes mesmo da sentença agora proferida, chegou até o Supremo Tribunal Federal. Na decisão mais recente, a presidente do STF, ministra Ellen Gracie, confirmou parcialmente liminar de Herculano Nacif, que em maio de 2006 liberou a realização de estudos, audiências públicas e outros procedimentos que antecedem a construção de Belo Monte.
A sentença (veja a íntegra) do juiz de Altamira tem mais de 50 laudas. Inclui gráficos, mapas, transcrições de diálogos entre senadores extraídos de notas taquigráficas de sessões do Senado, a transcrição de jurisprudência sobre o assunto e destaca até mesmo trechos da música “Belém-Pará-Brasil”, gravada por artistas paraenses como Nilson Chaves e Lucinnha Bastos.
O magistrado destaca que a construção da hidrelétrica, no rio Xingu, é tema que desperta o interesse nacional e terá repercussão no futuro do País. “Basta olhar o mapa do rio Xingu para verificar que o só fato de o mesmo cortar mais de um Estado já é suficiente para se admitir que não se trata de uma questão meramente local”, observa Nacif.
Ele sustenta seu entendimento de que a realização de estudos prévios sobre a construção da hidrelétrica não ofende qualquer princípio ou dispositivo constitucional. Até mesmo consulta às comunidades indígenas, segundo ele, depende da realização do Estudo de Impacto Ambiental (EIA-Rima). “Como ouvir previamente as comunidades se nem se sabe quais serão envolvidas? Como discutir com as comunidades os impactos socioambientais e culturais se não houve estudo de viabilidade?”, questiona o magistrado.
Para Nacif, os entrevistadores que forem designados para participar dos estudos prévios somente poderão ouvir as comunidades indígenas localizadas na área de influência, “se for definida o que vem a ser tal área e qual o impacto que provavelmente será observado nas diversas partes desta área. Por evidência, os impactos ambientais não serão uniformes em toda a região afetada.”
Observou o juiz que, numa etapa preliminar, as análises técnicas sobre a projetada construção da usina de Belo Monte demonstram que nenhuma terra indígena será diretamente atingida pelo alagamento decorrente da implantação. “As comunidades indígenas seriam afetadas eventualmente por impactos indiretos, cujo efetivo alcance somente poderá ser conhecido após a realização dos estudos de viabilidade que a presente ação pretende obstar”, enfatiza.
Quantos aos impactos indiretos sobre terras indígenas, ressalta a sentença que apenas a comunidade que habita a reserva Paquiçamba, a jusante do barramento previsto, será afetada pela hidrelétrica, muito embora tal área não deva ser alagada. As demais comunidades indígenas mencionadas pelo Ministério Público na ação situam-se, conforme afirma o magistrado, “em áreas muito distantes, razão pela qual os eventuais impactos indiretos sobre as mesmas deverão ser pouco significativos, embora o conhecimento do seu efetivo alcance dependa da conclusão dos estudos antropológicos exigidos”.
Veja os principais trechos da sentença do juiz federal Herculano Martins Nacif
“Panacéia” - “Não está aqui se afirmando que Belo Monte seria a panacéia para todos os males. Porém, forçoso é admitir-se que tal empreendimento reveste-se da mais alta importância no que tange à planta energética nacional.”
Dependência energética - “Atente-se, ainda, que a dependência nacional de fontes energéticas externas é questão delicada. Senão vejamos o claro e atual exemplo, vivenciado em passado recente, em relação ao gás produzido na Bolívia. Tais fatos expõem a fragilidade a que o país estará submetido se continuar cultivando a dependência externa em matéria energética.”
“Redenção” - “Caso seja aprovado, por seus próprios méritos e em plena consonância com o ordenamento jurídico, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte consistirá em redenção para uma parte da sociedade brasileira que fora abandonada, durante muito tempo, pelo Poder Público.”
Homem e peixe - “O homem não pode ser comparado a um peixe, como sugere a teoria malthusiana do século XVIII, segundo a qual o desenvolvimento dos povos deve ser inexistente para que se garanta o equilíbrio do meio ambiente. Não podemos limitar a liberdade humana em nome da natureza.”
Desenvolvimento - “Todo aquele que pretende proteger o meio ambiente deve aplicar suas capacidades ao imediato desenvolvimento do conhecido Terceiro Mundo. Deve buscar a inclusão e não a exclusão. Deve lutar pelos menos favorecidos, e não por proteger interesses externos que possuem fundamentos obscuros e temerários, como a manutenção de um grande mercado consumidor, onde não se produzam bens competitivos, onde os estudos científicos são uma realidade distante, onde os cidadãos são aprisionados com correntes invisíveis, em uma escravidão velada. Os senhores usam os senhorios. Os países desenvolvidos usam os subdesenvolvidos e não querem deixar que estes últimos se desenvolvam.”
Índios ao abandono - “O que se percebe, pelo menos nos locais em que estive, é que não há estrutura de apoio condizente com as necessidades dos povos indígenas. Assim, há, na prática, verdadeiro abandono destes brasileiros que são privados dos benefícios obtidos através de anos de pesquisa científicas e desenvolvimento tecnológico.”
Índio e sociedade - “O índio não quer viver isolado em um universo paralelo. Ele quer, sim, participar do meio social, usufruindo os benefícios disponíveis à sociedade brasileira, sem jamais, repita-se, abrir mão de sua identidade.”
População abandonada - “Registro, ainda, que na região em que se pretende instalar a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, não existem apenas índios. Há milhares de brasileiros que outrora foram abandonados, também, pelo governo brasileiro, dentro os quais destaco os ribeirinhos, os garimpeiros, possíveis remanescentes de quilombos, os desbravadores trazidos para a região durante a ‘Batalha da Borracha’ e o Plano de Integração Nacional (PIN), bem como os pequenos agricultores e suas famílias. Portanto, há de se considerar que na região existem representantes de todos os recôncavos deste país continental.”
Carências em Altamira - “O contexto social de Altamira é preocupante. Devido ao período do inverno amazônico, com a cheia do Rio Xingu, milhares de desabrigados tiveram que abandonar suas casas e se alojar em acampamentos improvisados, sendo submetidos a toda sorte de transtornos, que certamente ofendem a necessária preservação da dignidade da pessoa humana.”
Qualidade de vida - “Com a implantação da UHE Belo Monte, as famílias que atualmente se encontram em áreas sujeitas a alagamentos todos os anos poderão finalmente ser contempladas com uma casa em área segura, já que serão indenizadas pelas empresas empreendedoras. A medida representa sensível aumento da qualidade de vida de milhares de pessoas.”