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05/07/2006 17:52 -

União é obrigada a contratar defensores

União é obrigada a contratar defensores

O juiz federal de Altamira, Herculano Martins Nacif, determinou à União que contrate em caráter temporário, no prazo de 30 dias, três advogados, “com saber jurídico e moral ilibada”, para atenderem a pessoas carentes dos municípios de Altamira, Brasil Novo, Medicilândia, Uruará, Vitória do Xingu, Senador José Porfírio, Porto de Moz, Anapu, Pacajá e Novo Repartimento. Os defensores deverão ter atuação específica perante Subseção da Justiça Federal no município, até que seja efetivamente instalada a Defensoria Pública da União para atuar em Altamira. A multa diária, em caso de desobediência à decisão judicial (leia a íntegra), foi fixada em R$ 10 mil.

O Ministério Público Federal, que propôs a ação apreciada por Nacif, alega que a ausência da Defensoria Pública da União em Altamira impede o acesso à Justiça de aproximadamente 250 mil pessoas, que residem em dez municípios da região do Xingu e ocupam extensão territorial equivalente à dos Estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Sergipe.

Nacif ressalta que, atualmente, existe defensor público apenas em Belém para responder por todo o Estado do Pará, o que resulta em vários prejuízos sobretudo às pessoas que não dispõem de recursos para contratados advogados. Um exemplo de que o acesso à Justiça Federal na região está prejudicada é que “os presos federais são atendidos, quando possível, pelos defensores públicos estaduais, notoriamente sobrecarregados”, acrescenta o magistrado.

Levantamento do Ministério Público indica que, por causa da ausência da Defensoria Pública da União em Altamira e municípios da região, pelo menos 10.500 pessoas deixam de ser atendidas anualmente pelo Poder Judiciário. “Tal estimativa é até conservadora, pois, se considerada uma média nacional, aproximadamente 35 mil pessoas estariam deixando de ser atendidas. Tais números, ademais, retratam somente as demandas judiciais, desconsiderando-se o número de atendimentos e orientações jurídicas que também estão deixando de ser prestadas”, acrescenta o juiz.

Nacif observa que não basta instalar o Poder Judiciário se não estiver uma estrutura complementar de atendimento aos diversos segmentos da sociedade. “A interiorização do Poder Judiciário Federal, por exemplo, deve ser acompanhada da instalação de outros órgãos, como o Ministério Público Federal, a Advocacia da União, Procuradorias do Ibama, Incra, INSS e da Fazenda Nacional e, quiçá com importância superior, a Defensoria Pública da União”, diz Herculano Nacif.

O juiz federal mostra que questão das mais relevantes deve-se a como trazer justiça para uma região cuja população em sua quase totalidade não possui condições de contratar um advogado. Não há outra forma de implementar essa medida, segundo o magistrado, senão pela instalação de uma Defensoria Pública. “Isto porque, como é de amplo conhecimento, o Poder Judiciário é orientado, em regra, pelo princípio da inércia, devendo ser provocado por profissionais que possuam capacidade postulatória”, enfatiza Nacif. Ele considera que parte da população da região do Xingu foi atraída por uma propaganda enganosa oficial, e depois abandona a própria sorte. “São pessoas altamente carentes, que travam uma guerra diária pela sobrevivência, não possuindo a devida consciência de seus direitos e, por conta disso, não podem exercer, de fato, seus “direitos”. Não por falta de previsão legal, mas porque a ausência de órgãos como a Defensoria Pública da União impede que elas possam ir a juízo pleiteá-los.” No caso de Altamira, as grandes distâncias presentes na região, somadas à precariedade das vias de transporte e à pobreza dessas populações, resultam, segundo a decisão judicial, numa “corrosão dos valores percebidos a título de benefícios sociais, como o Bolsa Família, por exemplo. Tal quadro retrata fielmente a realidade local. A parte da população que mais precisa do Poder Judiciário é alijada pela ausência da Defensoria Pública da União, instituição que em muito poderia aliviar o sofrimento, trazendo não apenas justiça, mas esperança para um povo que sofreu de forma sui generis ao longo dos anos de abandono governamental, que ainda perdura.”

Veja os principais trechos da decisão do juiz federal Herculano Martins Nacif

Estrutura - “Atualmente, existem 111 cargos de Defensor Público da União, sendo que destes apenas 75 atuam junto ao primeiro grau de jurisdição e que somente 96 cargos se encontram providos. Há 16 cargos que aguardam nomeação e 177 candidatos aprovados em concurso homologado há mais de um ano e com prazo de validade em curso. O MPF destacou, nesse contexto, que existe previsão orçamentária para o preenchimento das vagas atualmente existentes.”

Ausência - “Ora, é patente, pelos números acima expressos, que a Defensoria Pública da União é uma instituição ausente, não apenas em Altamira e região, mas em todo o país, principalmente porque existem, segundo estudos, aproximadamente 90 (noventa) milhões de brasileiros com remuneração de até 2 (dois) salários mínimos, que, em tese, necessitariam de assistência jurídica gratuita.”

Garantias - “Os direitos do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, ínsitos à inafastabilidade da jurisdição, somente podem ser efetivados se o Poder Judiciário for provocado por profissionais que possuam capacidade postulatória. Considerando a realidade local, onde a pobreza impera, resulta patente que inexiste acesso à justiça, de forma plena, posto que a ausência da Defensoria Pública da União conduz à falta de informação quanto aos direitos dos cidadãos e, quando há consciência dos direitos, à impossibilidade jurídica de se pleitear em juízo seus direitos, pois que, em face dos parcos recursos financeiros, ou se compra o feijão e o arroz, ou se paga de forma parcelada honorários advocatícios. Ou seja, não há escolha. Para a maioria dos aqui residentes, os direitos são apenas um “dever ser”, jamais um “ser”. Assim, sofrem os cidadãos e o Poder Judiciário, que tem sua imagem institucional comprometida e não pode fazer nada pelos que buscam orientações jurídicas em seu balcão.”

Constituição - “É chegada a hora de o Poder Judiciário garantir a efetividade da Constituição Federal, cuja Lei Maior não pode mais ser vista como uma simples Carta de Intenções, mas, ao contrário, como um valioso e incondicional comando de garantia das liberdades públicas, de todos os direitos fundamentais individuais e sociais nela previstos, sem o que não há falar-se em Estado Democrático de Direito. Com a Carta Política de 1988, ocorreu no Brasil o fenômeno da Constitucionalização do Direito, decorrendo daí a efetividade da Constituição Federal, como bem observou o jurista Luís Roberto Barroso, em lapidar artigo publicado na Revista Direito Federal, n.º 82, páginas 109/157, da Associação dos Juízes Federais do Brasil, sob o título: ‘Neoconstitucionalismo e Constitucionalização do Direito (O Triunfo Tardio do Direito Constitucional no Brasil)’.”

Concurso - “Neste ponto, é relevante destacar que o aparente conflito de normas constitucionais, quais sejam, necessidade de concurso público e efetividade da prestação jurisdicional (mediante atuação de defensores públicos), deve ser equacionado de modo a atender os objetivos da Constituição. Sopesando-se tais preceitos, verifico que, obviamente, só há sentido em se realizar concurso público quando há uma atividade estatal a ser desenvolvida. O objetivo do certame público é imprimir transparência ao ingresso nas carreiras públicas, de modo a serem evitados os apadrinhamentos. Assim, tem-se que, tomando-se por parâmetro o caso em tela, a realização de concurso é forma, enquanto a atividade dos Defensores Públicos é o conteúdo pretendido, ou seja, enquanto que a primeira é caminho, a segunda é o destino, constituindo, pois, espécie clara de atividade fim estatal.”

Temporários - “Destaco, por oportuno, que existem diversos fatores que apontam, no presente caso, para a possibilidade de contratação temporária na espécie pretendida, pois que, exemplificativamente, tramita no Congresso Nacional projeto de lei que prevê a criação de 1.000 cargos de Defensor Público da União, o que demonstra a evidente carência do quadro atual; e, some-se a isso, existe uma demanda reprimida na região, conforme muito bem ilustrado pelo MPF, pelo que configura um excepcional interesse público, que persistirá até a instalação da Defensoria Pública da União em Altamira/PA.”

Hipossuficientes - “Por outro lado, é de se ter em mente que a Defensoria Pública é órgão que corporifica, em favor dos hipossuficientes, a garantia constitucionalmente prevista do livre acesso à Justiça. Assim, há de ser prestigiada a norma de garantia, que no caso é urgente, afastando-se, temporariamente, a formalidade configurada no concurso público, que além de não ter caráter de urgência, demanda longo lapso temporal para ser concluído.”


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