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27/08/2021 08:20 - INSTITUCIONAL

Especialistas debatem direitos dos povos tradicionais brasileiros em workshop virtual

INSTITUCIONAL: Especialistas debatem direitos dos povos tradicionais brasileiros em workshop virtual

Começou nessa quinta-feira, dia 26 de agosto, o workshop virtual “Povos Tradicionais e sua Relação com a Terra”, organizado pelo Centro Judiciário de Conciliação da Seção Judiciária do Distrito Federal (Cejuc/SJDF) em parceria com o Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região (Sistcon).

Na abertura, o vice-coordenador do SistCon, desembargador federal César Jatahy, destacou que o evento busca fornecer subsídios socioculturais e antropológicos sobre comunidades tradicionais para embasar as atividades desenvolvidas por magistrados(as) e conciliadores(as).

“A iniciativa tem uma finalidade prática muito importante. Eu tenho uma satisfação especial em participar, porque sou baiano e a Bahia tem uma história muito relacionada a essas comunidades quilombolas. Temos, na cidade histórica de Cachoeira, comunidades quilombolas que vou conhecer nos próximos dias”, disse o magistrado.

O mediador das palestras, desembargador federal Néviton Guedes, afirmou que a história do Brasil começa com o conflito de terras que envolveu, inicialmente, a tomada das terras dos povos indígenas. Ele destacou a grande mobilização dos povos indígenas em torno da discussão que está sendo travada no Supremo Tribunal Federal (STF), especificamente discutindo se é ou não o caso de se impor um marco temporal para demarcação das terras indígenas. Cerca de 5 mil indígenas estão acampados na Praça da Cidadania, próxima ao Teatro Nacional, em Brasília/DF.

“Esse não é o único problema. Sobreveio, também, o problema do conflito das terras quilombolas - povoados que abrigavam escravos, indígenas e brancos desfavorecidos - que cultural e historicamente acabaram se transformando em comunidades. Em torno dessas terras vivenciamos hoje muitos conflitos, que se transformaram em conflitos jurídicos. Há um esforço muito grande de magistrados do TRF1 em uma tentativa de fazer com que a Justiça Federal trabalhe esses conflitos de maneira mais moderna, humana e conciliadora”, observou Néviton Guedes.

Palestras - O professor Carlos Frederico Marés de Souza Filho, doutor em Direito dos Povos Indígenas, falou que os conflitos envolvendo as terras tradicionais indígenas e quilombolas aumentam cada vez mais e é fundamental que o Poder Judiciário se preocupe com a questão.

Ele destacou a formação dos quilombos no Brasil e sua importância, explicando que “são formações sociais e grupos de afrodescendentes, que saem do sistema do escravismo colonial e se internam no interior para deixar de ser escravos, para se livrar do escravismo”.

O docente ainda listou as normas legais que garantem os direitos dos descendentes de escravos, como o artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal, que estabeleceu o direito fundamental de propriedade das terras ou territórios tradicionalmente ocupados pelas chamadas comunidades remanescentes de quilombos, também denominadas comunidades quilombolas.

“Os artigos 231 e 232 da Constituição Federal brasileira também reconhecem o respeito às formas de organização própria dos povos indígenas, além de suas crenças, costumes, usos e tradições, bem como os direitos originários dos povos indígenas sobre suas terras”, comentou Carlos Frederico.

Além da previsão constitucional, o professor doutor informou que a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), também reconheceu esse direito aos remanescentes de quilombos.

Regularização - A procuradora federal Gilda Diniz dos Santos falou, na ocasião, sobre o tema “Política Pública de Regularização de Quilombo - Complexidade e Desafio”.

Ela explicou que o Decreto 4.887/2003 regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o artigo 68 do ADCT. “O processo de reconhecimento e regularização de terras quilombolas tem muitas etapas e é bem complexo”, disse.

Segundo ela, a Fundação Cultural Palmares é a responsável pelo processo de reconhecimento e o Incra inicia o procedimento de certificação a pedido da comunidade, de outros órgãos ou por meio de ofício.

Nesse processo, é criado um grupo de trabalho multidisciplinar para pesquisa de campo, com antropólogos e engenheiros agrônomos e ambientais para elaboração do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID). Também há o levantamento fundiário de todos os proprietários e posseiros e a realização de estudos socio-históricos para comprovar a relação da comunidade requerente com a área reivindicada.

No entanto, diversas dificuldades são encontradas nesse processo, tais como a quantidade de áreas particulares, o tamanho do território, os conflitos possessórios e a relação de confiança da comunidade com a equipe multidisciplinar.

A doutoranda apresentou, ainda, informações da quantidade de RTIDs publicadas por ano de 2005 até 2021 e concluiu que houve uma diminuição flagrante durante o período, inclusive na quantidade de decretos de interesse social publicados pelo Poder Executivo.

Conflitos Socioambientais - A palestra do professor doutor e PhD Júlio César de Sá da Rocha foi sobre o tema “Quilombolas - Conflitos Socioambientais”. Ele levantou a questão socioambiental da base de lançamento de Alcântara, no Maranhão, onde existem famílias quilombolas que receberam determinação de retirada do local. “Esse conflito é muito forte. Ou seja, o próprio Estado conflitando com as comunidades, gerando insegurança alimentar, piora da qualidade de vida e impactos no modo de vida das comunidades”, lamentou.

Além disso, o docente ressaltou que existem milhares de processos envolvendo essas questões e acredita que o Judiciário deve dar prioridade a esses conflitos para tentar solucionar os casos de maneira conciliatória. Ele sugeriu a realização de audiência pública para escutar as comunidades, com uma mesa de negociação dos maiores conflitos que envolvem territórios quilombolas no País.

“Onde se enfrenta esse tema, as pessoas estão morrendo. Ser quilombola neste País, em 2021, é viver em perigo de vida, viver permanentemente sob tensão, ou acorda vivo ou acorda morto”, alertou Júlio César.

Projeto “Ser Quilombola” - A última palestra do dia foi conduzida pelo defensor público André Carneiro Leão, coordenador do Grupo de Trabalho de Comunidades Tradicionais da Defensoria Pública da União, que discorreu sobre o “Processo de Certificação e a Titulação das Comunidades”.

Ele apresentou o projeto “Ser Quilombola”, criado para escutar comunidades vulneráveis e fazer o levantamento de dados para embasamento de ações judiciais. “Percebemos, a partir das demandas que chegaram, que havia de fato uma ausência de acesso à Justiça por parte de comunidades quilombolas. Acho que a gente precisa de fato mudar a forma como enxergamos e interpretamos os direitos dessas comunidades”, relatou o defensor público.

Para André, é preciso aprender uma nova perspectiva de direito com essas comunidades. “Nós buscamos conversar e visitar as comunidades, porque não é possível compreender essa relação sem estar no território quilombola”.

Segundo o defensor, mais de 3,4 mil comunidades quilombolas já foram reconhecidas pela Fundação Palmares, mas poucas detêm a titularidade de suas terras. “No entanto, existem mais de 5 mil comunidades quilombolas. Ou seja, mais de 2 mil ainda não foram certificadas nesse processo”, comentou.

O evento é promovido em parceria com a comunidade quilombola Kalunga, a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) e as Universidades Federais do Piauí (UFPI) em da Bahia (UFBA).

As palestras continuam nesta sexta-feira, 27 de agosto, a partir das 9h (horário de Brasília), no canal da Esmaf no YouTube. A íntegra das palestras de quinta-feira também está disponível no canal.

PG/LS

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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