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20/11/2015 20:00 - ESPECIAL

Santo padroeiro

ESPECIAL: Santo padroeiro

Justiça Federal de Minas Gerais concede liminar para impedir a retirada da estátua de São Francisco de Assim da nascente do rio que leva o nome do santo.

O Rio São Francisco, também conhecido como Velho Chico, foi decisivo para o desenvolvimento do interior do País ao longo dos anos. Descoberto em 1501, durante uma expedição para explorar a costa brasileira comandada por Gaspar de Lemos e Américo Vespúcio, o rio recebeu esse nome em respeito à tradição da população regional da época, devota do padroeiro São Francisco de Assis. Até então, o rio era chamado por primitivos regionais de “Opará”, pois, segundo uma lenda, nasceu das lágrimas derramadas pela índia Irati por saudades de seu companheiro que foi à luta pela posse da terra contra homens brancos, mas não voltou. Esse nome significa rio-mar na linguagem indígena.

O Velho Chico percorre seis estados brasileiros e ainda é a divisa natural de estados como Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe. Navegar pelo São Francisco é passear pela história do Brasil. Foi graças a ele que os bandeirantes conseguiram seguir rumo ao interior do País, deixando o litoral para se aventurarem em direção ao sertão e ao sudeste. Além disso, o Velho Chico é o principal responsável pelo sustento de diversas cidades que apareceram em suas margens no decorrer dos últimos 500 anos. Isso acontece em razão de as suas águas serem viáveis para navegação (em alguns trechos), pesca, geração de energia e irrigação de plantações.

Em função dessa importância, existe um projeto do governo federal que pretende fazer a transposição do rio para que as águas possam atingir regiões que sofrem com a seca nordestina. Segundo o Ministério da Integração Nacional (MI), o empreendimento vai beneficiar mais de 12 milhões de pessoas em 390 municípios em Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte. O projeto possui 477 quilômetros organizados em dois eixos de transferência de água, os eixos Norte e Leste. A obra engloba a construção de quatro túneis, 14 aquedutos, nove estações de bombeamento e 27 reservatórios, além da recuperação de 23 açudes existentes na região, que receberão as águas do rio São Francisco. O Nilo Brasileiro, como também é conhecido, serve ainda como via de transporte de mercadorias de algumas regiões. Os principais itens transportados, em embarcações especiais, são: sal, arroz, soja, açúcar, cimento, areia, madeira, alguns minérios e produtos manufaturados.

As águas do São Francisco refletem cinco séculos de nossa história. O título de rio da unidade nacional é justificado em função da forma caprichosa de seu curso, que serviu como uma estrada natural entre o litoral do sul e do norte pelo interior do País. Os primeiros colonizadores subiram o rio em busca de índios para o cativeiro. Depois, as imensas pastagens do sertão deram espaço à formação de currais. Ao redor, nasceram diversos povoados. Mais tarde, quando correram no sertão notícias da descoberta de metais preciosos nas regiões das nascentes, houve então o encontro entre os homens dos currais e os das minas. (fonte: www.educacional.com.br)

Diante dessa trajetória e com o objetivo de preservar a nascente do São Francisco, foi criado o Parque Nacional da Serra da Canastra. Pouco tempo depois, em 1975, o primeiro diretor da Unidade, Hélio Lasmar, teve a iniciativa de colocar ao lado da nascente do Velho Chico uma imagem de São Francisco de Assis, doada por sua irmã, para demarcar o local. Atualmente, o rústico monumento que homenageia o padroeiro se tornou ponto turístico da região, não apenas pelo seu caráter religioso mas também pela curiosidade dos visitantes de ver a água brotando. Mesmo após a criação do Parque, manifestações religiosas e culturais são realizadas no local, levando dezenas de pessoas àquela área. Segundo consta no Plano de Manejo do Parque Nacional da Serra da Canastra, as nascentes do rio sempre exerceram fascínio, inicialmente pelo mistério de suas origens e, ao longo do tempo, por estarem associadas à sobrevivência de uma grande via de comunicação e de abastecimento de água para muitos estados brasileiros.

Entretanto, toda a beleza e crença regional contidas na escultura erguida foram ameaçadas depois de o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e a administração do Parque Nacional da Serra da Canastra proporem a retirada da estátua de São Francisco e do altar da nascente do Rio São Francisco, localizados em São Roque de Minas, na região centro-oeste do estado. Em resposta, a Defensoria Pública da União (DPU) ajuizou uma ação civil pública para suspender liminarmente todas as ações tendentes à retirada das peças.

Tudo começou com a elaboração, em 2005, de um plano de manejo para expansão do Parque Serra da Canastra. No documento, estão previstas a remoção e a possível demolição da estrutura que abriga a imagem do santo, que está assentada há 40 anos no local. Além disso, o arquivo trata ainda da doação da imagem à Igreja Matriz de São Roque de Minas, caso haja interesse. O contato inicial com o problema, de acordo com o defensor público federal Estêvão Ferreira Couto, resultou no ajuizamento da ACP 3407-92.2014.4.01.3804, que serviu de base para o projeto “Canastra: Justiça e Reconciliação”, conduzido pela Justiça Federal de Minas Gerais. O projeto pretende dar fim aos conflitos existentes desde a criação do Parque que estão relacionados com a sobrevivência dos tradicionais “canastreiros” (moradores da Serra da Canastra que vivem da fabricação artesanal do queijo Canastra, cuja produção é protegida pelo Iphan) e dos mineradores que vivem em condições análogas às de escravo.

Em seu recurso, a administração do Parque alegou que a localização da estátua estava causando danos ambientais à área das nascentes do São Fra cisco em razão de peregrinações para ver o símbolo e as nascentes do rio. Argumentou que já efetuou a mudança do monumento para outra área, ainda dentro dos limites do Parque.

Quanto ao fato de a imagem representar uma crença religiosa para o povo que reside na região, o ICMBio afirmou que “o Parque Nacional é um bem da União, um estado laico, e não um local de culto de qualquer que seja a religião, devendo as construções em seu interior serem vinculadas a razões de manejo e de proteção da área”. Declarou ainda, o instituto, que “diante da revisão do Plano de Manejo do Parque Nacional, publicado em 2005, foi recomendada a remoção da imagem do local e o desmonte do altar, quando oportuno”.

Para o representante da DPU, Estêvão Ferreira Couto, o plano de manejo é inconstitucional e ilegal, de um lado porque pretendeu alterar o entendimento que havia sobre o tamanho do Parque estabelecido há décadas, de outro, por não respeitar a população local. “Nesse seu intento, veio atropelando o modo de vida tradicional dos moradores da região, protegido pela nossa Carta Maior e pelas normas internacionais de direitos humanos incorporadas ao ordenamento jurídico interno”.

De acordo com o defensor, a previsão incluída no plano de manejo gerou preocupação na população local. Para ele, a proteção da nascente se resolve com a organização das visitas, e não com o descarte de um bem cultural. “As autoridades do ICMBio e do Parque Nacional da Serra da Canastra queriam se livrar da estátua de São Francisco, assim como querem se livrar das comunidades tradicionais que vivem na região”, disse.

Justiça - Ao analisar o processo, o juiz federal diretor da Subseção Judiciária de Passos, Bruno Augusto Santos de Oliveira, entendeu que a retirada da imagem de São Francisco e de seu altar da área onde se encontra a nascente do rio de mesmo nome fere os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Isso porque essas ações vão contra a caracterização desses bens feita pelo próprio Plano de Manejo, que os considerou como sendo históricos e culturais, carregados de simbolismo regional e nacional. Além disso, segundo o magistrado, as ações ferem os artigos 215 e 216 da Constituição, pois o altar e a imagem de São Francisco, além do significado religioso, são edificação/objeto que representam a manifestação de uma cultura popular de referência para todo o Brasil.

Na decisão, o juiz também analisa a relação entre religião, laicidade estatal e preservação do patrimônio cultural, citando filósofos como Charles Taylor e formulações da Suprema Corte dos Estados Unidos. “Sob esse ponto de vista, uma análise do contexto demonstra que a permanência da estátua de São Francisco no interior do Parque Nacional da Serra da Canastra em nada viola a ordem constitucional brasileira”, afirma na sentença.

O magistrado lembra, ainda, que o batismo do São Francisco ocorreu em 1501, e a própria estátua foi colocada ao lado da nascente simbólica do rio por iniciativa do diretor da unidade à época. “Não há qualquer indício histórico ou motivo para supor que sua posição tenha partido do propósito estatal de favorecer qualquer religião. E, do contexto descrito, também não é razoável concluir que tenha o efeito de transmitir a mensagem de preferência estatal em relação a uma religião específica”.

Assim, o juiz federal Bruno Augusto Santos de Oliveira, deferiu a liminar para determinar a abstenção de toda e qualquer ação administrativa tendente a retirar, reposicionar, demolir, desmontar, remover ou destruir, ainda que parcialmente, a imagem de São Francisco da nascente do rio, incluindo o altar ali edificado. A intenção é preservar as origens do rio mais importante do Brasil e manter viva a tradição e a história da população que vive às suas margens e, em muitas vezes, dele dependem para sobreviver.

Eunice Calazans

Confira esta e outras reportagens na versão eletrônica da Primeira Região em Revista.

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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