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16/10/2015 20:00 - ESPECIAL

Herança radioativa

ESPECIAL: Herança radioativa

O dia 13 de setembro é uma data que jamais será esquecida pela população de Goiânia/GO. No ano de 1987, esse foi o dia em que aconteceu o maior episódio de contaminação radioativa no Brasil, conhecido como acidente do Césio 137. Tudo começou quando dois catadores de materiais reaproveitáveis encontraram, em um prédio abandonado no centro da capital goiana, a carcaça de um aparelho usado para tratamento de câncer. Já nesse dia, ambos começaram a apresentar sintomas de contaminação radioativa, como tonteiras, náuseas e vômitos, e associaram o mal-estar apenas à alimentação.

Dias depois, eles venderam a máquina ao dono de um ferro velho, que decidiu arrombá-la para ver o que seria possível aproveitar dela. Dentro do equipamento ele encontrou uma cápsula que continha cerca de 20g de um pó branco, parecido com sal, exceto pelo brilho azul intenso que era visto no escuro. Essa é a característica especial do Césio 137, um material radioativo e que emite radiações ionizantes, feixes de partículas ou de ondas eletromagnéticas capazes de atravessar corpos sólidos, afetando suas estruturas atômicas. Essas radiações, quando em alta intensidade, podem provocar lesões nas células e nos tecidos vivos, causando efeitos nocivos e até mortais.

Foi esse envenenamento que os catadores, o dono do ferro velho e, posteriormente, várias outras pessoas da região, vivenciaram e que, até hoje, se reflete em doenças graves em seus familiares.

À época, o acidente foi classificado como sendo de nível 5 na Escala Internacional de Acidentes Nucleares (que vai de 0 a 7), ou seja, acidente com consequências de longo alcance. Isso porque o material encontrado pelos catadores foi repassado a terceiros como sucata, o que gerou um rastro de contaminação que afetou centenas de pessoas, rendendo ao episódio o título de maior acidente radioativo do Brasil e o maior do mundo ocorrido fora de usinas nucleares.

Dona Maria de Lourdes, esposa de Ivo Alves Ferreira, o primeiro homem a ter contato com a substância, relata a admiração que seu brilho causava. ”Eu não imaginava que fosse tão sério. A gente apagou a luz e foi prestar atenção. Isso foi posto no quarto, debaixo das caixas de som e no pé delas brilhava. Sabe quando você está viajando e avista uma cidade toda iluminada? Daquele jeito!”.

Mas as consequências do contato com a substância radioativa não trouxeram a alegria e a admiração que a luminosidade daquele pó branco provocava. Ivo sofreu muito, perdeu uma das mãos, teve uma grave lesão na perna corroída pelo pó que carregava no bolso, teve depressão e morreu de câncer dois anos após achar o Césio 137. A filha caçula do casal, de seis anos, Leide das Neves, também morreu após ingerir parte do pó que ganhou de presente do pai enquanto fazia uma refeição após tocar no material. O outro filho ainda sofre com danos psicológicos, vive isolado no quarto e já tentou suicídio três vezes.

Os catadores e a família de dona Maria de Lourdes foram apenas os primeiros a serem contaminados. Após o ocorrido, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) determinou que toda a população da região fosse examinada. Mais de 112 mil pessoas foram isoladas em um estádio de futebol. Em 240 delas, algum nível de radiação foi detectado. Mas, segundo dados oficiais, apenas 12 tiveram algum tipo de lesão e quatro morreram. No entanto, acredita-se que esses números subestimem as reais dimensões do acidente.

A situação era alarmante. Objetos foram destruídos e até mesmo animais de estimação sacrificados. Todo o material reunido, inclusive o que restou da cápsula, foi levado Local onde estão enterrados os rejeitosa um depósito provisório localizado a 20 km de Goiânia. O abrigo definitivo para o lixo radioativo só ficou pronto dez anos depois, o Centro Regional de Ciências Nucleares do Centro-Oeste, na cidade de Abadia de Goiás.

Ali, cobertos pela grama, estão armazenados os contêineres de concreto que guardam a cápsula radioativa, restos das casas das famílias afetadas, animais sacrificados e objetos pessoais como roupas e sapatos. São seis mil toneladas de objetos contaminados que são e serão monitorados pelos próximos 300 anos em um acompanhamento rigoroso em que pesquisadores da CNEN farão testes periódicos na água e no solo. “Durante vários anos, nossos relatórios contribuem para dizer que não há qualquer problema de contaminação seja do nosso lençol freático ou do solo e da vegetação. Todas as barreiras são dimensionadas acima do normal para garantir à sociedade de que não haja nenhum problema”, explica Rugles César Barbosa, supervisor de Radioproteção da CNEN. Se os resíduos já perderam metade da radiação, o risco completo, porém, só deve desaparecer em pelo menos 275 anos.

Hoje, o Centro Regional de Ciências Nucleares é referência em pesquisa e treinamento de profissionais especializados em materiais radioativos.

Rastro de contaminação - O contágio pelo Césio 137 não causou a morte ou doenças apenas nas pessoas que tiveram contato direto com a substância em 1987. Até hoje, 28 anos após o acidente, descendentes daqueles que sofreram com a radiação também enfrentam sérios problemas de saúde decorrentes do composto químico.

Em Goiânia, existe o Centro de Assistência aos Radioacidentados (C.A.R.A), uma unidade especializada no atendimento às vítimas do Césio 137. O centro oferece atenção multidisciplinar a 1.150 pessoas por ano. Entre os assistidos estão filhos e netos de quem teve contato com a substância no passado, e todos são monitorados pelo pesquisador Jairo Figueiredo Júnior. Ele afirma que foi feito um levantamento epidemiológico de doenças infectocontagiosas e um levantamento do perfil psicológico dos pacientes: “No que se refere à questão biológica, todos estão dentro do que chamamos de padrão da população de Goiânia. Não houve nenhuma alteração que pudesse ser determinada como decorrente do Césio. Já quanto à questão psicológica, existe de fato uma alteração muito maior no comportamento desses pacientes. Sentem-se à margem da sociedade e têm problemas com isso até hoje.”

“Porém, afora as doenças infectocontagiosas, continua havendo incidência de neoplasias (tumores) e de outras sequelas das radiolesões (amputações, incapacitação física, reagudizações).

E é justamente para auxiliar essas pessoas, como forma de indenização, que existe uma pensão especial paga pela União ou pelo estado de Goiás. Até hoje novos pedidos são feitos, mas nem sempre esse benefício é garantido. Muitas vezes, a falta de provas concretas que demonstrem a relação direta com a contaminaçãopelo Césio faz com que os pedidos sejam negados na esfera administrativa, levando as pessoas a recorrerem à Justiça Federal.

Foi exatamente o que fez uma moradora de Goiânia ao iniciar uma ação ordinária contra a União, a Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) e o estado de Goiás. Ela alegou que nos anos seguintes ao acidente radioativo desenvolveu uma série de doenças como depressão, inflamações nas articulações e câncer. Ela também afirmou que sua casa, todos os objetos pessoais e até os animais domésticos foram destruídos por ordem do governo.

O processo foi analisado pelo Juízo Federal da 9ª Vara da Seção Judiciária de Goiás (SJGO) que julgou procedente o pedido da autora e condenou a União e a CNEN ao pagamento de indenização por danos morais em razão do acidente radioativo com o Césio 137 no valor de R$ 100 mil. Os réus, no entanto, discordaram da decisão e recorreram ao TRF1 (...)

Thainá Salviato/Eliane Wirthmann


Confira a íntegra desta reportagem na versão eletrônica da Primeira Região em Revista.


Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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