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26/06/2015 20:00 - ESPECIAL

Riqueza recuperada

ESPECIAL: Riqueza recuperada

Desde o início do século XX, os casos de furtos de obras de arte e de livros raros vêm crescendo pelo mundo. Esse mercado movimenta bilhões de dólares todos os anos e mais de 50 mil objetos (quadros, estátuas, periódicos, revistas, etc.) são subtraídos anualmente.

Um caso emblemático na história dos museus foi o roubo do quadro da Monalisa. O incidente ocorreu em 1911 e, mesmo parecendo cena de filme de Hollywood, o “ladrão”, o italiano Vicenzo Peruggia, agiu de modo bem simples. Ele se escondeu nas dependências do Louvre, na França, até que o museu fechasse suas portas. Depois, sem qualquer tipo de intervenção de seguranças, conseguiu furtar a mais famosa obra de Leonardo da Vinci.

O quadro, felizmente, foi recuperado dois anos depois e devolvido ao museu. Mas Peruggia entrou para a história e hoje serve de inspiração para dezenas de criminosos. De acordo com dados da Associação de Pesquisa de Crimes contra a Arte (ARCA), esse mercado responde pela terceira maior taxa de crescimento entre as atividades criminosas do planeta, atrás apenas dos tráficos de drogas e de armas de fogo.

No Brasil não é diferente, e a situação pode se agravar nos próximos anos devido ao aumento da circulação de bens e de pessoas e à carência de ações mais efetivas em aeroportos e nas fronteiras.

“O combate a esse tipo de crime deve começar fora dos museus. Tão importante quanto investir em segurança é apostar em um processo de inteligência policial forte para identificar quadrilhas e possíveis compradores antes que os crimes ocorram”, afirma a coordenadora do Patrimônio Museológico do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), Luciana Palmeira da Silva.

Muitos nem imaginam, mas a maioria dos furtos de livros raros e de obras de arte é feita sob encomenda. Grande parte dessas obras é usada para lavagem de dinheiro. No Brasil, a maior parte dos crimes é contra a arte sacra. Cerca de 60% desse patrimônio brasileiro encontra-se desaparecido. O perfil do comprador normalmente é o de um antiquário ou restaurador que recebe a obra para revender, mas há também o do colecionador endinheirado. Este é o caso de um banqueiro brasileiro de São Paulo, que está sendo processado pelo Ministério Público de Minas Gerais por supostamente ter comprado uma estátua de Nossa Senhora do Rosário, retirada há mais de uma década de uma igreja.

As obras de artistas consagrados como a Monalisa, de Leonardo da Vinci, e as imagens sacras são apenas duas das categorias atingidas por esse mercado negro. Mas há outra, essa mais comum e de difícil identificação, que inclui os bens culturais. Nesse campo, enquadram-se as edições históricas de periódicos e outros tipos de livros raros. Em 2010, por exemplo, as duas primeiras edições da revista “O Tico-Tico”, publicadas em 1905, foram furtadas da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. O crime só foi percebido meses depois, quando um estudante foi preso em Copacabana tentando vender alguns periódicos únicos. Na sua agenda, a Polícia Federal encontrou os números de referência das duas edições. Mesmo com a prisão do rapaz, as revistas nunca foram encontradas.

Justiça Federal

Obras raras foram tema de julgamento no Tribunal Regional Federal da 1.ª Região. Recentemente, a 3.ª Turma condenou um homem a um ano e oito meses de reclusão e 10 dias-multa pelo furto de três livros raros, de alto valor histórico e cultural, pertencentes à Biblioteca do Museu da História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

O jovem foi preso em sua casa pela Polícia Militar. Além dos três livros tirados da UFMG, ele detinha 11 livros sem identificação de procedência e mais 108 obras subtraídas das seguintes instituições: Biblioteca da UFMG, Biblioteca Pública Municipal/BH/MG, Biblioteca Pública Estadual Luiz de Bessa, Faculdade de Ciências Médicas, Colégio Arnaldo e Instituto Santo Inácio.

O diretor da Biblioteca da UFMG, Wellington Marçal de Carvalho, destaca que o furto de obras raras consiste não apenas em prejuízo financeiro mas, sobretudo, “em dano ao patrimônio cultural público, cujo valor é inestimável, já que os livros constituem o alicerce do saber, do conhecimento e da história da humanidade”.

A decisão do TRF1 foi comemorada pelo diretor da Biblioteca da UFMG. “Avalio positivamente o impacto que a divulgação dessa decisão trará para sensibilizar a comunidade em geral sobre a importância do uso responsável de um acervo que é, por natureza, de toda a sociedade”, disse Wellington Marçal.

A ação requerendo a condenação do rapaz pela prática dos crimes de furto (art. 155 do Código Penal), deterioração do patrimônio cultural (art. 62, II, da Lei 9.605/1998) e falsidade ideológica (art. 307 do Código Penal) foi movida pelo Ministério Público Federal (MPF). Em primeira instância, o caso foi analisado pela 4.ª Vara da Seção Judiciária de Minas Gerais, que condenou o réu a pena de um ano e oito meses de reclusão e 10 dias-multa pelo crime de furto, absolvendo-o dos demais.

O Ministério Público e o réu recorreram ao TRF da 1.ª Região. O MPF requereu a revisão da sentença para que o réu também fosse condenado pela prática do delito de deterioração de bem integrante do patrimônio cultural com a aplicação da circunstância agravante prevista no artigo 61, II, b, do Código Penal (ter o agente cometido o crime para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime).

O condenado, por sua vez, argumentou em sua defesa a atipicidade da conduta em relação ao delito de furto, sob o argumento de que, para se configurar o referido tipo penal, além do dolo - vontade de agente de subtrair coisa alheia móvel -, exige o elemento subjetivo do tipo específico, qual seja, a posse do bem, para si ou para outrem, de forma definitiva, pelo que requer a desclassificação para o delito de furto de uso.

Ele alegou também que todos os bens materiais, como os livros, possuem valores quantitativos, “sendo infundada a atribuição de valor inestimável, fazendo-se necessária a aplicação do princípio da insignificância”.

Com relação ao pedido feito pelo MPF, a Turma sustentou que decorreram mais de oito anos entre o recebimento da denúncia e o tempo presente, razão pela qual houve prescrição da pretensão punitiva. Sobre os argumentos apresentados pelo réu, a Turma esclareceu que, no caso em questão, “descabe falar em furto de uso em virtude da grande quantidade de livros apreendidos em poder do acusado e da comprovação de diversos danos nos volumes com o intuito de impedir ou dificultar a identificação da origem das obras”.

A Turma também descartou a aplicação do princípio da insignificância, conforme requereu o acusado. “O princípio da insignificância não incide quando é furtada uma grande quantidade de livros antigos, raros e de inestimável valor histórico-cultural”, diz a decisão.

Lista Vermelha

O caso citado acima foi apenas um em que o criminoso acabou sendo identificado e preso. Mas o número de prisões poderia ser maior se o Brasil contasse com o que os especialistas chamam de “Lista Vermelha”. Trata-se de uma relação dos tipos de obras que costumam ser retiradas ilegalmente de um país e que deveriam receber mais atenção das polícias e da Receita Federal, principalmente nas fronteiras.

“Hoje, se um prato aparecer no raio-X de um aeroporto dentro de uma mala, provavelmente o agente responsável pela identificação não vai se dar conta de que a peça pode pertencer a uma coleção do período monárquico e não abrirá a mala. Por isso é tão importante que tenhamos a Lista Vermelha”, destaca Luciana Palmeira da Silva, do Ibram.

Jair Cardoso

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Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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