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15/05/2015 20:00 - ESPECIAL

Patrimônio histórico

Crédito: Imagem da webESPECIAL: Patrimônio histórico

A Região Norte foi palco de uma das mais importantes passagens da história do Brasil. O nascimento do estado de Rondônia se confunde com a revolucionária construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), entre as mais importantes e complexas obras já realizadas na era moderna. No Brasil, a estrada ainda é considerada a mais difícil empreitada até hoje, diante das circunstâncias em que foi realizada: em meio à densa Floresta Amazônica, quente e úmida, com terrenos pantanosos, tomada por insetos e doenças tropicais como malária, febre amarela e esquistossomose.

Tudo começou com a necessidade da Bolívia de escoar sua produção de borracha no mercado internacional. O único caminho possível passava pelos rios Madeira e Mamoré, em terras brasileiras, onde muitas embarcações naufragavam.

O desafio era grande, e as dificuldades apareceram logo no início, antes mesmo das obras em si. Foram três tentativas de construção da ferrovia, e a primeira foi em 1869, quando a empresa britânica Public Works Construction Company chegou ao pequeno povoado de Santo Antônio/RO, contratada para executar a difícil missão. Os trabalhadores ingleses vinham para o Brasil em busca de uma vida melhor, mas foram atacados pela malária, pela varíola e pelos habitantes indígenas, o que levou a empresa a abandonar a Amazônia brasileira sem ter construído nenhum quilômetro da estrada. Em 1978, uma empresa americana resolveu iniciar uma nova tentativa e trouxe técnicos qualificados e equipamentos, mas também foi derrotada pelas doenças, pelos mosquitos e pela intensa umidade da floresta fechada. Somente na terceira tentativa, iniciada por volta de 1907, é que a estrada de ferro saiu do papel, depois de um acordo entre Bolívia e Brasil.

Tratado de Petrópolis - Até 1750, as terras do atual estado do Acre pertenciam à Bolívia. Entretanto, até então, aquela área não despertava tanto interesse em razão da dificuldade de acesso. Porém, após a Independência do Brasil tiveram início as primeiras ocupações da área por brasileiros, principalmente nordestinos que fugiam da grave seca que atingia o Nordeste e procuravam trabalho como seringueiros, na produção de borracha. A atividade era, na época, responsável por 40% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, e os retirantes foram avançando em busca dos melhores seringais e se instalando nas terras acreanas. Todavia, pouco depois, a Bolívia enviou uma missão de ocupação ao Acre, causando uma revolta armada dos colonos brasileiros que iniciaram uma revolução, um ano depois, com apoio do Estado do Amazonas. O governo brasileiro, no entanto, reconhecia a região como território boliviano e enviou tropas que dissolveram a República do Acre no dia 15 de março de 1900. Após esse episódio, a Bolívia organizou uma pequena missão militar de ocupação na região, mas foi contida pelos ocupantes brasileiros que ainda se encontravam no local.

Como na primeira vez, os revoltosos ainda contaram com o apoio do governador do Amazonas, Silvério Neri, que enviou uma nova expedição para a ocupação, denominada como a Expedição dos Poetas, onde proclamaram a segunda República do Acre, em novembro de 1900. Porém, a tropa militar boliviana reagiu e colocou fim à República um mês depois. Em 6 de agosto de 1902, um militar brasileiro chamado Plácido de Castro foi enviado para o Acre pelo governador do Estado do Amazonas e iniciou a Revolução Acreana. Os rebeldes tomaram toda a região e implantaram a terceira República do Acre, agora com o apoio do então presidente do Brasil, Rodrigues Alves, e do seu ministro do Exterior, Barão do Rio Branco.

A Bolívia pensou em reagir novamente, mas, antes que ocorresse alguma batalha significativa, o Barão do Rio Branco intermediou diplomaticamente propondo um acordo entre o Brasil e a Bolívia, que ficou conhecido como o Tratado de Petrópolis. Ambos os países assinaram, em 21 de março de 1903, o Tratado de Petrópolis, no qual ficou acertado que a Bolívia abriria mão do estado do Acre em troca de territórios brasileiros do estado do Mato Grosso e da construção da Madeira-Mamoré para escoar sua produção de borracha*.

Teve início, então, a odisseia da construção. Foram 40 anos de obras, com operários vindos de mais de 40 nações e encarando muitas dificuldades. Entre os desafios enfrentados estava transpor cerca de 40 km de terrenos de pântanos, com solo inconsistente, para fazer a base da estrada e colocar máquinas de até 70 toneladas, além de atravessar rios e mais de 20 cachoeiras.

As peculiaridades do empreendimento renderam àquela tarefa nomes como “a ferrovia dos trilhos de ouro”, por ser considerada uma das mais caras do mundo e “a ferrovia do diabo”, pelos milhares de mortes causadas pelas desleais condições da Floresta Amazônica. Os números oficiais indicam seis mil mortos durante a construção da ferrovia, além da quase extinção dos índios Caripuna. À época, os sanitaristas Oswaldo Cruz e Belisário Penna foram contratados para combater a malária na região das obras. Em carta, Oswaldo Cruz relatou que a situação era tão grave que os homens morriam como moscas. A ação sanitária distribuía quinino aos operários - o primeiro medicamento correntemente utilizado para tratar a doença. Seu princípio ativo, o quinino, é uma substância natural retirada da casca de uma planta medicinal conhecida como Cinchona calisaya ou Quina-amarela.

Décadas de construção, mais de 20 mil operários vindos de 42 nações diferentes, muitas mortes e 28 toneladas de ouro gastos pelo governo brasileiro resultaram, enfim, na Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. Inaugurada em 1º de agosto de 1912, a ferrovia percorria 360 km entre o que hoje é Porto Velho e Guajará-Mirim. Fruto da busca incansável do homem de reduzir distâncias e abrir caminhos para o desenvolvimento, a EFMM, no entanto, não contava com o declínio do comércio da borracha pouco depois de sua inauguração. A ferrovia passou, então, a operar com prejuízos e, em 1972, foi desativada pelo governo militar.

Patrimônio histórico - A função comercial da Madeira-Mamoré chegou ao fim, mas sua importância para a história do Brasil jamais será apagada. Tida como responsável pelo surgimento do município de Porto Velho e do próprio estado de Rondônia, a Madeira-Mamoré foi tombada, em 2006, pela Superintendência Estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).

A estrutura do Museu é composta por três grandes estruturas. O prédio das oficinas, construído entre 1908 e 1912 para abrigar as partes de mecânica, fundição, carpintaria, pintura, serraria, funilaria e depósito, além de a realização de reparos nas locomotivas e vagões. Outra estrutura em exposição são os armazéns de carga e descarga, projetados e pré-fabricados nos Estados Unidos e utilizados para armazenar as mercadorias que abasteciam os seringais e abrigar a produção que seguiria para fora da região. E a parte mais simbólica do Museu, a Estação de Porto Velho, construída e inaugurada na mesma data da ferrovia para a venda de passagens, despacho de documentos e comunicação.

Assim como na época da construção, ainda hoje as forças da natureza representam desafios à EFMM. Em 2014, uma enchente histórica do Rio Madeira atingiu Porto Velho e as instalações do Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré. O nível do rio superou os 17,52 metros da maior enchente já registrada, em 1997, ultrapassando os 19 metros e chegando a quase encobrir as locomotivas da estrada de ferro em exposição. A cheia começou em dezembro de 2013 e atingiu seu ponto máximo em março de 2015. As águas permaneceram em nível elevado por 15 dias e só começaram a baixar no mês de abril.

As peças integrantes do Museu da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré pertencem à União, que é responsável por conservar, preservar e proteger o patrimônio. No entanto, a União transferiu essa tarefa para o município de Porto Velho. Com a enchente, os responsáveis pelo patrimônio deveriam ter tomado providências para evitar danos e perdas de bens, como retirar as peças do local, catalogar e armazenar em local seguro até a baixa do Madeira.

Mas, não foi o que ocorreu. Essa foi a razão que levou a Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional de Rondônia - a ingressar com ação civil pública contra a União, o Iphan, o Município de Porto Velho, a Secretaria de Desenvolvimento Socioeconômico e Turismo (Semdestur) e a Superintendência Estadual de Turismo (Setur) objetivando que as locomotivas e as peças históricas ameaçadas pela enchente do Rio Madeira fossem removidas para local seguro e seco. Requereu, também, que, passada a ameaça da enchente, veículos, peças e equipamentos fossem realocados nos devidos lugares.

Na ação, a OAB alegou que o transbordamento do rio deixou submersas as locomotivas e as peças históricas mais pesadas, “sob o risco de iminente deterioração ou mesmo destruição, precisando de urgente proteção”. Os argumentos foram parcialmente aceitos pelo juiz federal Dimis da Costa Braga, que determinou a catalogação do acervo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a limpeza, a restauração, se necessário, e a lubrificação das locomotivas e demais peças históricas atingidas pela enchente de 2014, com realocação aos seus devidos lugares. Em caso de descumprimento da sentença, ao município de Porto Velho (RO), e ao estado de Rondônia e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) ficou estabelecido o pagamento de multa de R$ 100 mil. Já União ficou sujeita à multa no valor de R$ 500 mil.

Ao analisar o caso, o magistrado destacou que a Estrada de Ferro Madeira-Mamoré constitui-se “em importante capítulo da história do Brasil, haja vista que sua construção permitiu o florescimento de cidades nas estações de seus dois polos, constituindo-se hoje os importantes municípios de Porto Velho e Guajará-Mirim”.

O juiz federal também destacou a impossibilidade de atender ao pedido principal formulado pela OAB para a remoção de locomotivas, vagões e todas as demais peças remanescentes do Complexo Turístico da EFMM que ainda se encontrassem ameaçadas pela enchente do rio Madeira. Por essa razão, o magistrado julgou “parcialmente procedente o pedido inicial para garantir o resultado prático equivalente à pretensão primária formulada na petição inicial e determinar a catalogação do acervo da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré, a limpeza, a restauração, se necessário, e a lubrificação das locomotivas e demais peças históricas do pátio da EFMM atingidas pela enchente de 2014, com realocação aos seus devidos lugares”.

Thainá Salviato

Confira esta e outras reportagens na edição eletrônica da Primeira Região em Revista.

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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