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18/02/2022 08:20 - INSTITUCIONAL

Juíza federal destaca desafios da pós-modernidade na atuação do Judiciário brasileiro na primeira edição do ano do projeto Quinta do Conciliador

INSTITUCIONAL: Juíza federal destaca desafios da pós-modernidade na atuação do Judiciário brasileiro na primeira edição do ano do projeto Quinta do Conciliador

O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) promoveu nessa quinta-feira, 17 de fevereiro, a primeira edição do ano do projeto Quinta do Conciliador, na qual a juíza federal da Seção Judiciária de Goiás, Raquel Soares Chiarelli, falou sobre o tema “Justiça pós-moderna: é possível conciliar?”. O evento foi transmitido ao vivo pelo canal do TRF1 no YouTube.

A abertura foi feita pela coordenadora-geral do Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 1ª Região (SistCon), desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, informando que a juíza federal mora atualmente em Barcelona e que o tema do evento é o mesmo de sua tese de doutorado em Cidadania e Direitos Humanos, na Universitat de Barcelona. Lá, ela desenvolve pesquisas sobre o tema de qualidade no sistema de justiça. Além disso, é mestra em Ciências Sociais da Justiça pela Université Paris1 Panthéon-Sorbonne.

A juíza federal Raquel Chiarelli iniciou sua apresentação dizendo que não ia falar quase nada sobre Direito, porque era preciso entender como a vida real interfere no Direito, muda e transforma o resultado dos processos e a efetividade do trabalho no dia a dia da Justiça. "Atualmente, na pós-modernidade, as pessoas vivem em função da imagem que precisam passar nas redes sociais, onde precisam ser perfeitas, bem sucedidas na vida pessoal e no trabalho, sem qualquer tipo de problema. Mas a realidade muitas vezes não é essa e isso gera uma frustração enorme. Além disso, todos têm acesso a uma quantidade enorme de informações de maneira rápida e superficial, com a precarização do conhecimento."

Segundo a palestrante, o sucesso é uma condição para felicidade. "Essa mesma forma de vida gera exclusão, sofrimento, doença, pobreza violência e, principalmente, desconcerto, mesmo quem pertence e pode viver a pós-modernidade sofre porque não sabe para onde ir. Ao mesmo tempo que existem muitas coisas positivas, nós não permitimos ter esse direito a descanso, queremos trabalhar continuamente, porque precisamos estar atualizados, aprimorados, esse é o nosso desafio como indivíduo na pós-modernidade, nesse mundo contemporâneo”, afirmou.

Ela discorreu ainda sobre os conceitos de Sociedade da Ignorância, Sociedade de Consumo e Líquida. A doutoranda disse que há hoje uma superabundância e superficialidade da informação, descrédito na ciência, a substituição de juízos de bem e mal, certo e errado por considerações sobre utilidade e eficiência. Isso cria um ambiente de incertezas do que é verdade ou mentira.

Confiança - A juíza federal também mostrou um slide com a porcentagem da confiança da sociedade no estado e alertou para a descrença da população nos órgãos públicos e, consequentemente, na justiça. O último Índice de Confiança do Brasil na Justiça Brasileira (ICJBrasil), de 2021, mostrou que o Poder Judiciário tem 40% de confiança da população, mas ela acredita que é preciso melhorar ainda mais.

"A crise da justiça é a crise do estado. Em todos os países a gente vê o populismo ganhando asas, porque o estado democrático de direito está em crise e não consegue entregar aquilo que prometeu. O índice antes era de 24% de confiança e passou para 40%. Houve uma melhora muito boa, mas a confiança no Judiciário é inferior a das grandes empresas, da imprensa, do Ministério Público, da polícia e da Igreja Católica. Ainda há muito a melhorar”, considerou.

Conciliação - A magistrada destacou que o sistema de justiça evoluiu e se transformou no sistema de conciliação, mas ela somente será efetiva quando houver o empoderamento compensando as desigualdades estruturais e desobjetificando o cidadão. Também é preciso usar a pacificação na conciliação, colaborando para a formação de um consenso equilibrado sobre os interesses em conflito. “Uma conciliação que trata o cidadão como mais um número, mais um item na estatística, que não respeita o tempo da conciliação, não é uma conciliação verdadeira e colabora para perpetuação das desigualdades. É preciso esse cuidado e essa segurança de quem trabalha com conciliação, de saber qual é o objetivo e quais são as dificuldades, qual que é o contexto pós-moderno”, relatou. Segundo a magistrada, nos casos em que é necessário empoderamento das partes em conflito ele deve ser realizado, porque senão a conciliação não vai pacificar a questão.

“Por mais que a gente aprenda que é possível negociar em desequilíbrio e que no campo empresarial, por exemplo, a empresa mais fraca pode conseguir vantagens em relação à empresa mais forte se souber usar as técnicas adequadas, no mundo do Direito e da violação dos direitos, isso não é assim. A hipossuficiência faz com que a pessoa perca a capacidade de negociar e de usar técnicas de negociação”, considerou.

Ela afirmou que o conciliador e o juiz são estimulados a facilitar uma solução e um resultado para poder atender outro processo de conciliação, pois quanto mais acordos são fechados, mais útil ele foi. “Isso às vezes resulta na inatividade do sistema. A gente precisa saber o momento de compreender e de renunciar a um enfoque produtivista em nome dos princípios da conciliação, em nome do empoderamento e da pacificação. Assim, vamos conseguir caminhar um pouquinho mais e vencer os nossos desafios pós-modernos, para conseguir concretizar a justiça que pensamos 300 anos atrás. A sociedade ainda não consegue essa justiça no dia a dia”, ponderou.

Quanto ao tema do evento - “Justiça pós-moderna: é possível conciliar?” - a juíza federal ressaltou que era preciso ter uma consciência reflexiva sobre o papel do sistema de justiça na efetivação dos direitos e da concretização da cidadania. Ao final, a desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas ressaltou que foram celebrados no TRF1, mesmo com a pandemia, quase 190 mil conciliações. “Nos cabe saber se esse número de conciliações atendeu a finalidade do Poder Judiciário e se as pessoas saíram realmente satisfeitas'', comentou. Além disso, trouxe uma pergunta de um dos participantes, que queria saber se a palestrante via a conciliação dos conflitos como instrumento gradativo de retomada da confiança da sociedade no Judiciário.

Raquel Chiarelli respondeu positivamente e que o objetivo da conciliação “é levar a justiça para perto das pessoas e trazer as pessoas para perto da justiça”. Para ela, o futuro é humanizar cada vez mais a justiça.

“A gente não pode fingir que não recebe essa quantidade impressionante de processos. É preciso adotar medidas de gestão que possam dar vazão a esses processos, porque é muita coisa e temos pouco capital humano”, concluiu.

Quinta do Conciliador - Criado em abril de 2020, o projeto tem como objetivo o treinamento e aperfeiçoamento de conciliadores e conciliadoras que atuam no Tribunal. Essa foi a terceira edição do evento. A primeira edição em 2021 abordou o tema “Conciliação: Ética do cuidado e suas potencialidades” e a segunda “Conciliação: aspectos práticos da Resolução 125/2010 do CNJ”.

As palestras buscam o aprofundamento e a ampliação da reflexão sobre temas fundamentais para a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado dos conflitos, em busca da excelência das práticas dos métodos consensuais.

PG

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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