Difundir experiências bem-sucedidas de projetos e ações da Justiça Restaurativa (JR) nos Tribunais Regionais Federais e também na esfera internacional com a ampliação e o fortalecimento dos atores envolvidos na temática em cada Tribunal. Esse foi o objetivo do encontro internacional “Justiça Restaurativa na Justiça Federal”, realizado de forma on-line, nessa quinta-feira, 19 de agosto.
O evento foi promovido pelo Conselho da Justiça Federal (CJF) em parceria com o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam).
Na oportunidade, os debates destacaram a concretude do trabalho de implantação e expansão da JR promovido pelo Comitê Gestor da Justiça Restaurativa do CNJ.
A abertura do encontro foi conduzida pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do CJF, ministro Humberto Martins, e teve a participação do ministro do STJ Jorge Mussi, corregedor da Justiça Federal, e do conselheiro do CNJ Luiz Fernando Tomasi Keppen. Os discursos de abertura destacaram características da JR como ferramenta de empoderamento da sociedade no tratamento de conflitos e no distanciamento da ideia tradicional de judicializar toda e qualquer demanda.
JR na prática - No período da manhã, a mesa de palestras foi presidida pelo vice-coordenador do Sistema de Conciliação da 1ª Região (SistCon), desembargador federal César Jatahy Fonseca. A primeira palestra foi realizada pelo ministro do STJ Reynaldo da Fonseca, que falou sobre a aplicação do princípio da fraternidade a partir da Justiça Restaurativa.
Segundo o magistrado, as técnicas restaurativas podem trazer um novo olhar para Justiça Penal brasileira, no sentido de resgatar os vínculos sociais e a dignidade da pessoa humana. Fonseca destacou que a justiça tradicional tem apenas caráter punitivo e não trata a causa e a origem de questões como a violência, não respondendo aos anseios da sociedade. Esse caráter punitivo acentua problemáticas como a superlotação de presídios e o aumento da violência, além de gerar mais gastos para a Administração Pública.
“A JR tem muito a contribuir no sentido da restauração dos vínculos sociais e no resgate da dignidade da pessoa humana com suas bases filosóficas e jurídicas do alcance social. É possível, sim, na esfera penal, uma forma alternativa de resolução do conflito e isso é irreversível. É inegável a consolidação da JR como uma possibilidade real do enfrentamento à violência”, explicou o ministro.
O segundo painel de palestras trouxe os resultados efetivos já alcançados por meio da Justiça Restaurativa, a partir das ações realizadas pelos cinco Tribunais Regionais Federais (TRFs).
O coordenador do Núcleo de Práticas Restaurativas (NPR) da Subseção Judiciária de Uberaba/MG, juiz federal Osmane Antônio dos Santos, falou dos desafios de buscar formas de implantação da JR em 2016, quando começaram os incentivos sobre o assunto na Justiça.
“Justiça Restaurativa é o que me movimenta hoje como magistrado. E quando iniciamos esse trabalho, em 2016, não tivemos muitos parâmetros. Começamos buscando parceria com o Ministério Público a partir dos Acordos de Não Persecução Penal e passamos a trabalhar a essência do conflito com uma equipe multidisciplinar de assistentes sociais, psicólogos e outros especialistas para discutir o cerne do problema, com a ideia de fazer o ofensor assumir a sua postura culposa e também fazer com que a vítima se sinta justiçada”, relatou o magistrado.
Para Osmane, as ações que envolvem a JR têm sido extremamente bem-sucedidas, pois “as partes têm tido a oportunidade de dialogar e pacificar os ânimos. As pessoas saem se abraçando quando, em outro momento, sequer se olhavam”.
O magistrado desmitificou, ainda, a ideia de muitas pessoas sobre a Justiça Restaurativa: “inicialmente, tivemos resistências, pois as pessoas tinham o pensamento de que criminosos estavam sendo privilegiados. Mas a JR não é isso, mas sim fazer com que o ofensor se responsabilize e todos os envolvidos consigam resolver os seus conflitos e não transferi-los a um terceiro”. Osmane também destacou a iniciativa do TRF1 de disciplinar e implantar a Política de Justiça Restaurativa, definida como forma complementar ao modelo tradicional de prestação jurisdicional, por meio da Resolução Presi 18/2021, publicada em maio.
Os demais TRFs também foram representados no evento. O juiz federal Vladimir Vitovsky apresentou o projeto de Reintegração pela Cidadania do TRF2; a juíza federal Raecler Baldresca falou da Macrogestão e Coordenação de Justiça Restaurativa da 3ª Região (TRF3); a juíza federal Catarina Volkart Pinto explicou como foi a implantação da Justiça Restaurativa na 4ª Região (TRF4) e o juiz federal Walter Nunes da Silva Junior discorreu sobre as ações implementadas na 5ª Região (TRF5) para adotar a Justiça Restaurativa.
Nortes seguros e boas práticas - No período da tarde, o juiz federal da 9ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF) em auxílio ao CJF, Marcio Luiz Coelho de Freitas, presidiu a mesa do quarto painel do evento, “Nortes Seguros e Boas Práticas”, em que se apresentou a diretora do Núcleo de Práticas Restaurativas da Justiça Federal em Uberaba/MG, Ana Carla de Albuquerque Pacheco, que falou sobre o tema “Justiça Restaurativa nos crimes federais de vitimização difusa”.
Em sua fala, Ana Carla contou a história do projeto do Núcleo de Justiça Restaurativa de Uberaba (NPR), desde as primeiras reuniões realizadas com os integrantes do Centro Judiciário de Conciliação (Cejuc), sob o comando do juiz federal Osmane Antônio dos Santos. Segundo a diretora, o primeiro passo foi o questionamento sobre que tipo de Justiça Restaurativa eles estavam dispostos a praticar dentro do sistema de Justiça.
Definidas essas características, os integrantes do Núcleo focaram em um ponto que se destacou ao longo do desenvolvimento do projeto e que se refere ao aspecto social das causas estruturais, “que muitas vezes motivam os conflitos e as violências. Essas causas quase não têm espaço no processo, no mundo jurídico tradicional, em que somente é observado aquilo que está previsto na norma. O sentimento, as emoções, as pessoas e a vítima são invisibilizados ao ponto que classificamos crimes sem vítima”, afirmou.
Com uma equipe multidisciplinar vinculada ao projeto, composta por psicólogos, assistentes sociais e pessoas formadas em Direito, o Núcleo de JR de Uberaba consegue ter um olhar voltado para as vulnerabilidades e causas que possam motivar esses conflitos e violências.
“Essa equipe tem um papel importante de fazer uma intermediação entre as necessidades apresentadas pelas pessoas, sejam elas vítimas, comunidade ou autor do fato danoso, com a nossa rede de apoio”, explicou Ana Carla.
Vitimização difusa - De acordo com diretora, os crimes de vitimização difusa são comuns no âmbito da Justiça Federal. Segundo ela, crimes ambientais são frequentemente enviados para o Núcleo de Uberaba e, com eles, surgem questões de responsabilização e vitimização, tais como “quem fala em nome do meio ambiente?” e “esses crimes são realmente sem vítimas?”.
Por isso, o Núcleo adotou o instituto da vítima sub-rogada, em que um representante simbólico do bem jurídico que foi violado - como, por exemplo, o meio ambiente - não participa do procedimento restaurativo com o objetivo de culpabilização, e sim para facilitar a compreensão, especialmente por parte do autor do fato danoso, acerca da repercussão dos danos daquela conduta.
“A Justiça Restaurativa não será difundida e adotada meramente com a implantação de novos programas e projetos, porque, se essa Justiça Restaurativa não refletir efetivamente quem somos, as políticas e os projetos não vão ser sustentáveis”, concluiu Ana Carla.
Na ocasião, também participaram da mesa de discussões: a juíza de direito Carolina de Silveira Gomes, do Tribunal de Justiça do Pará (TJPA); a juíza federal Cristina Albuquerque Vieira, da Justiça Federal no Rio Grande do Sul (JFRS); a facilitadora do Centro de Justiça Restaurativa (Cejure) da Justiça Federal em São Paulo (JFSP) Carla Rodrigues de Souza; o juiz de direito Marcelo Nalesso Salmaso, do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), e o juiz federal Fernão Pompêo de Camargo, coordenador da Comissão de Justiça Restaurativa da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe).
A cobertura completa do evento está disponível no portal do CJF.
APS/RF
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região