Magistrados da 1ª Região se encontraram no dia 14 de fevereiro, em ambiente virtual, para debater a questão do acesso dos povos indígenas à Justiça Federal, durante a 2ª reunião da Rede de Inteligência da 1ª Região (Reint1) neste ano de 2023. O encontro, conduzido pelo desembargador federal do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Carlos Augusto Pires Brandão, coordenador da Reint1, teve como objetivo central lançar um novo olhar sobre as iniciativas que atualmente tem procurado garantir o acesso dos povos indígenas à Justiça, como é o caso dos Juizados Federais Itinerantes (JEFs), e debater o processo de aproximação institucional a esses povos.
Tanto o coordenador da Reint1, desembargador federal Carlos Brandão, como o desembargador federal e corregedor da Justiça Federal da 1ª Região, Néviton Guedes (coordenador temático do evento), saudaram de maneira especial os magistrados de Roraima, por estarem eles particularmente envolvidos com os temas debatidos pela Rede nos últimos dias.
Ambos os coordenadores destacaram o trabalho da Seção Judiciária de Roraima na defesa dos interesses do país e parabenizaram as equipes do local por ajudarem a construir novos modelos de acesso e expansão da Justiça com o objetivo de alcançar os povos indígenas.
Responsável por conduzir os trabalhos do dia, a juíza federal Flávia de Macêdo Nolasco explicou que a motivação por trás da discussão proposta na segunda reunião da Reint1 está justamente ligada à necessidade de se pensar uma melhoria do acesso que seja perene, em especial no Estado de Roraima, em que a questão do povo Yanomami teve grande repercussão.
“Queremos ver o que podemos propor justamente para fazer face a essa crise humanitária, e também para ter uma solução permanente para a grande comunidade indígena que nós temos no estado”, afirmou a magistrada lembrando ainda, no entanto, que além de Roraima, na Região Norte existem muitas outras comunidades indígenas espalhadas por toda a 1ª Região.
Demandas “represadas” - O juiz federal Antônio Lúcio Túlio de Oliveira Barbosa, da 6ª Região, foi o primeiro dos convidados da reunião a apresentar e expor ao debate uma iniciativa para garantir o acesso à Justiça: em 2022, ele realizou um JEF Itinerante nas aldeias dos povos Maxakali, em Minas Gerais, com o apoio da Coordenadoria dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (Cojef/TRF1).
Ele e o servidor Fernando Sfredo abordaram os principais desafios, soluções e resultados dessa ação realizada junto aos povos Maxakali, que se originou ainda na 1ª Região, embora hoje a Subseção Judiciária de Teófilo Otoni seja parte do TRF 6ª Região, instalado em outubro de 2021. O magistrado destacou que, a partir de visita programada realizada pelos servidores da Unidade, foi identificada uma grande demanda “represada” de benefícios previdenciários não requeridos: em 10 anos de Justiça Federal em Teófilo Otoni, havia sido feito apenas um requerimento de benefício previdenciário relacionado à população indígena.
Após tentativas de formar uma rede com diferentes instituições envolvidas nas ações previdenciárias, o juiz federal Antônio Lucio solicitou à Cojef da 1ª Região, coordenada pelo desembargador federal Carlos Augusto Brandão, autorização para que realizassem visitas in loco. Dessas visitas, informou o juiz, nasceu o primeiro juizado federal especial itinerante indígena do qual se tem notícia até então, no qual foram realizadas inúmeras audiências e acordos.
“Foi um trabalho árduo, porque tem várias barreiras que a gente vai quebrando”, salientou o magistrado. “E deu certo, com essa convicção de que estamos prestando um serviço público essencial”, reforçou ainda, ressaltando que é uma situação dramática que merece atenção.
Nesse sentido, também o servidor Fernando Gomes Sfredo, que esteve no grupo que realizou as visitas junto aos povos indígenas Maxali, destacou a importância da iniciativa, reforçando que acredita que a realidade observada nessa comunidade deve se repetir em muitas espalhadas pelo país.
“O que temos visto agora nos Yanomami é algo não muito distante do que a vimos nos Maxakalí, uma população muito menor”, afirmou o servidor. “Identificamos lá muitos casos, por exemplo, de subnutrição, o que chocou muito, e a percebemos a importância dos benefícios previdenciários”, acrescentou.
Ao final do itinerante, foram identificados 230 casos possíveis de benefícios, numa população de cerca de 3,4 mil indígenas. Mais de R$ 220 mil em Requisições de Pequeno Valor (RPVs) foram expedidas e são mais de R$ 45 mil em benefícios mensais concedidos.
Testemunha dos trabalhos realizados pelo juiz federal da Subseção Judiciária de Teófilo Otoni quando a unidade ainda era vinculada à 1ª Região (anterior à criação do TRF6), o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão destacou o papel fundamental dos magistrados federais na garantia dos direitos às comunidades indígenas, e a valorização que é dada pelas próprias comunidades quando há a presença desse magistrado articulando diálogos institucionais para garantir a efetivação da Justiça.
Dificuldade de deslocamento e deficiência informacional - Também o defensor público da União, Murilo Ribeiro Martins, secretário de acesso à justiça da Defensoria Pública da União (DPU), foi convidado pela Reint1 para apresentar o modo de proceder da DPU nas ações que visam garantir o acesso à Justiça e outros direitos, principalmente quanto à organização, preparação e etapas necessárias.
O defensor também é habituado à realização de itinerantes e execução de projetos e ações de atendimento para grupos historicamente marginalizados. Em sua fala, entre outros inúmeros pontos e apresentação das realidades em que realizou atendimentos aos indígenas, ele destacou que são identificados, como principais fatores de dificuldade de acesso à Justiça, o desafio do deslocamento e a deficiência informacional sobre os direitos, principalmente na Região Norte. “Essas comunidades por vezes não têm conhecimento dos próprios direitos e por isso acabam não procurando os órgãos públicos que poderiam atendê-las”, afirmou. Por isso, destacou o defensor público, levar atendimento multidisciplinar é outro objetivo das ações que têm sido executadas pela DPU. “A demanda dessas comunidades não se restringe ao serviço que é ofertado pela defesa”, enfatizou.
Zelo pelo atendimento e respeito aos interesses da comunidade - Aberto espaço ao debate, a juíza federal Rosimayre Gonçalves de Carvalho, da Seção Judiciária do DF, reforçou a importância da criatividade nas iniciativas apresentadas pelo magistrado da 6ª Região e o defensor público da União, parabenizando-as. “Sabemos nós que essa aproximação [aos povos indígenas] tem que ser muito cuidadosa para a gente não influenciar negativamente nessas culturas que sustentam uma relação muito diferenciada com os territórios que eles habitam”, afirmou.
Também a juíza federal Rafaella Cassia de Sousa salientou a importância do projeto e do zelo nessas ações. Ela que é magistrada em vara cível no Amazonas e que já realizou audiência dentro de Terras indígenas. A juíza ressaltou o valor da Resolução 454 de 2022 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que trata da interculturalidade, e reforçou a necessidade de considerar a peculiaridade de cada comunidade indígena e a importância de respeitar o processo anterior de consulta aos povos sobre as ações que se realizam junto a eles.
Por sua vez, o magistrado Georgiano Rodrigues Magalhães, juiz federal substituto em Imperatriz/MA, agradeceu à Reint1 pela oportunidade em considerar uma questão de tamanha relevância. Segundo ele, na região sob a jurisdição onde atua, há uma comunidade indígena em terras de dimensões maiores do que às do povo Maxakali, e que são poucas as demandas que chegam ali referentes a benefícios, basicamente por meio de um único advogado. “Essa reunião hoje me serviu para abrir o olhar a essa questão”, pronunciou, afirmando o compromisso de iniciar tratativas com entidades envolvidas para cuidar dessa questão.
Na oportunidade, o secretário executivo da Cojef Alexandre Amaral também reforçou a disposição da coordenadoria, sob a direção do desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, em atuar fortemente para a continuidade de itinerantes como o realizado junto ao povo Maxakali.
Próximo ao encerramento do encontro, outros magistrados manifestaram satisfação com a abordagem do tema, reforçando sua relevância e colaborando com o debate, entre os quais a juíza federal Kátia Balbino. O coordenador da Reint1 destacou mais uma vez a necessidade de dar voz e vez aos povos marginalizados, que sofrem violências histórias, e de agir mais intensamente em prol da criação dos fóruns, como um caminho para poder atuar melhor também pelas questões dos povos indígenas.
AL/IM
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região