O desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), participou na tarde da última sexta-feira, 28 de abril, do Painel com o tema “Desafios Políticos e Jurídicos à Democracia no Mundo Contemporâneo: hiper-presidencialismo, populismo e atos antidemocráticos” no Encontro Jurídico-Cultural para a Tutela Jurisdicional dos Direitos na América Latina e Caribe, realizado em Santiago, no Chile.
O evento, promovido pela Universidade do Chile juntamente com a Escola de Magistratura Federal da 1ª Região (TRF1), foi aberto na terça-feira, dia 25 de abril, e teve a finalidade de estabelecer uma rede de colaboração para internacionalização crítica da magistratura latino-americana e caribenha. Compuseram a mesa o desembargador federal Souza Prudente, diretor da Esmaf 1ª Região, e o jurista Nabor Bulhões.
O desembargador federal Ney Bello iniciou sua participação agradecendo à Esmaf o convite para compor o evento. “É um prazer enorme estar aqui nesta cidade linda, que é Santiago, e que me encanta muito”, disse. Na ocasião, o desembargador falou sobre o tema “Direito à diferença e direito à igualdade dos povos originários: narrativa supremacista, liberdade e democracia” em sua palestra.
O magistrado tratou sobre a questão da compreensão das diferenças entre a cultura dos povos originários e a cultura de matriz europeia continental trazida pelo colonizador. “Esse problema particularmente no Brasil pode ser mais sentido na região Norte do que em outras regiões. Nós possuímos eixos de cultura indígena, indigenista diferenciada da lógica que nos foi trazida pelo colonizador. Isso vai se refletir no modo de ver a sociedade, isso vai se representar nas normas e na maneira através da qual essas diferenças são apresentadas. Nós temos o espaço da culinária, religiosidade, das formas de verificar a interação com a natureza e temos espaços referentes do que é possível respeitar em relação ao outro”, frisou.
Segundo Ney Bello, a nossa colonização não foi feita para miscigenar, e sim para dominar; ”ao fazê-la para dominar, todos os elementos constitutivos das sociedades menos complexas tendem a ser absorvidos pelas sociedades mais complexas. O professor Roque Laraia, que nos deixou recentemente, e o professor Pedro Wagner têm trabalhos belíssimos sobre isso. Fazer sobreviver elementos culturais de uma sociedade menos complexa quando eles são atingidos por um volume mais complexo é algo extremante difícil, e esse talvez tenha sido o desafio dos espaços acadêmicos em todos esses tempos”, disse.
Em relação ao progresso civilizatório desses povos originários, o magistrado citou alguns estudos do antropólogo e escritor franco-brasileiro Pierre Verger que trata sobre o tema. “Como doar a essas comunidades certos avanços que podemos considerar com nossa lógica eurocêntrica como processos de avanços tecnológicos e até avanço do próprio progresso civilizatório? Pierre Verger tem uma passagem muito interessante quando diz que aquilo que consideramos um avanço pode ser um retrocesso. A ideia, por exemplo, de dizer que as tribos Urubu-Kaápor, na fronteira do Pará com o Maranhão, necessitam de uma certa quantidade de tecnologia. Para Pierre Verger, levar essa estrutura era uma agressão até à própria estrutura e à forma de essa civilização europeia eurocêntrica tratar as sociedades menos complexas”, afirmou.
O desembargador citou, ainda, que o progresso civilizatório desses povos originários não pode ser tratado de forma linear. “A partir do momento que invado as tribos indígenas com motos, rádios, internet eu posso ter, na minha compreensão eurocêntrica, a ideia de que estou levando progresso, que estou levando para essas pessoas avanços, mas a ideia do progresso não é uma ideia linear e, não sendo linear, eu não teria como compreender o progresso de um Urubu-Kaápor casado ao fato de ele usar um iphone, por exemplo. Quando na verdade a interação feita com a natureza, essa sim seria a compreensão de avanço civilizatório, porque a ideia de civilização não precisa ser necessariamente eurocêntrica, e sim pode ser buscada em diversos outros centros”, disse.
Por fim, o magistrado destacou que há uma necessidade de se utilizar a tríade composta por “separação, proteção e tolerância” para agir e tratar das questões relacionadas aos povos originários. “Essa tríade de separação, proteção e tolerância representam: separação da compreensão de vida da compreensão de vida daqueles que vivem um modo menos complexo que o nosso; tolerância com as diferenças culturais e diferenças do modo de ver o mundo dessas partes incluídas e mergulhadas numa lógica civilizatória diferente da nossa, e em terceiro lugar, uma absoluta compreensão de que nós podemos ocupar espaços diferentes com racionalidade, mas essa racionalidade não nos obriga e não nos levar a compreender que o melhor mundo é o nosso, a melhor maneira de ser é a nossa e, consequentemente, eu exercer sobre os autóctones (povos originários) uma visão absolutamente expurgadora, xenófoba e evidentemente dominadora no processo pós-moderno de colonização. Essa colonização que não é mais colonização do espaço físico, mas é a colonização do nosso modelo específico de sobrevivência no processo civilizatório”, finalizou.
Confira a palestra completa aqui.
Encontro Jurídico-Cultural - O encontro ocorreu de 25 de abril a 3 de maio pela plataforma Zoom. Para conferir a gravação completa do evento, clique aqui.
FM
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região