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29/11/2024 09:53 - INSTITUCIONAL

Rede de Inteligência discute papel da Justiça na implementação do mercado de carbono no Brasil

A imagem mostra um slide de uma apresentação intitulada

No dia 12 de novembro, mesmo dia em que o Senado Federal retomou a análise do marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil (Projeto de Lei n. 182/2024), a Rede de Inteligência da 1ª Região (Reint1) recebeu o advogado, mestre em direito e diretor do Centro de Estudos Constitucionais Comparados da Universidade de Brasília Matheus Depieri para aprofundar o debate sobre a relação entre Poder Judiciário e os impactos desse comércio no País.

Assunto que, nos últimos tempos, ganhou força com a realização da COP29, o foco da Rede esteve em esclarecer o funcionamento do mercado de carbono europeu para abrir caminhos de análise no aprimoramento da prática brasileira.

Coordenador da Reint1 e do Sistema de Conciliação da 1ª Região (Sistcon1), o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão afirma que entender o complexo mercado de carbono é necessário à preservação do meio ambiente, sendo por isso fundamental que o Judiciário compreenda como pode facilitar e agir para a criação de condições de um comércio saudável.

“A Rede é o espaço de atualização da administração judicial e de aprimoramento da gestão do sistema. A reflexão da qual partimos hoje é: quais são as premissas para a estruturação da saúde do mercado de carbono no Brasil?”, analisou o magistrado.
Segundo Brandão, já foi possível perceber, por exemplo, que a Amazônia, destaque nas discussões ambientais, tem um problema gravíssimo com os títulos de propriedade. “O título parece ser um documento imprescindível a esse comércio”, considerou, ao observar a situação a partir de conhecimentos adquiridos no encontro anterior sobre o mesmo tema, promovido em outubro. “A gente monta novamente essa mesa de discussão para tentar desenhar um projeto de Justiça que favoreça a viabilidade do mercado de Carbono, principalmente na Amazônia”, afirmou.

Nesse sentido, o coordenador da Reint1 citou, a título de exemplo, o “Projeto Viva Alcântara”, iniciativa interinstitucional que ocorre agora, no final de novembro, entre os dias 29 e 30 do mês. A ideia por trás dessa ação da Justiça Federal, em parceria com outros órgãos, será justamente trabalhar a regularização de títulos e outros serviços da tutela jurisdicional para atender os alcantarenses no estado do Maranhão.

Lembrado pelo convidado Matheus Depieri, outro ponto que torna muito importante a discussão constante de temas ambientais pela magistratura federal foram os estudos que ganharam repercussão ao afirmar que praticamente foi ultrapassada a meta de 1,5º (graus) de aumento na temperatura global prevista no acordo de Paris.

“Estamos nos aproximando cada vez mais de momentos perigosos do clima global, perto de pontos de inflexão do meio ambiente que podem ser irreversíveis e com danos ainda não mensurados”, ressaltou.

Origem, evolução e história do mercado de carbono no mundo

Para aprofundar a experiência europeia, Matheus Depieri voltou-se primeiro às origens e evolução do mercado de carbono global.

Segundo o mestre em direito e diretor de estudos comparados da Universidade de Brasília, o mercado de carbono tem uma espécie de espinha dorsal, uma base teórica central de uma perspectiva econômica estadunidense.

O pressuposto econômico seria o de que “externalidades negativas” para a sociedade, como o caso dos impactos da poluição ambiental, podem ser tratadas de forma mais eficiente quando associadas aos direitos de propriedade – e assim comercializadas e distribuídas com custo de transação relativamente baixo.


“Falando em outras palavras e trazendo um pouco pro mercado de carbono, economistas argumentam, desde a década de 1960, que conferir direitos de propriedade a recursos ambientais e criar mercados para negociar esses direitos permite garantir certo nível de proteção ambiental com mais eficiência e a um custo menor”, disse Matheus Depieri.



Depieri apresentou as origens históricas e teóricas do mercado de carbono.

Para ele, essa teoria econômica não estaria isenta de críticas, e afirmou que muitos acadêmicos criticam essa lógica econômica para a proteção ambiental defendendo que o meio ambiente tem que ser protegido como um recurso em si mesmo. Mas, para Depieri, o fato é que há grande popularização dessas medidas econômicas, e tanto os Estados Unidos como a União Europeia e demais potências têm cada vez mais abraçado o custo-benefício na proteção ambiental com base na lógica econômica.

Em resumo, as experiências com o mercado de carbono teriam começado com iniciativas locais e regionais até chegar a uma fase maior de experimentação com o comércio de emissões de dióxido de enxofre.na década de 1990, nos Estados Unidos da América.

Relacionado com o problema da chuva ácida, o mercado de enxofre é considerado por muitos como o berço do comércio de emissões em larga escala. Desse ponto em diante, esse mercado começou a se espalhar na busca de abranger desafios ambientais diversos, não só chuva ácida.

A União Europeia era relativamente cética em relação a mecanismos de mercado, afirmou Depieri. Foi só em Kyoto que essa visão começou a ser abraçada pela comunidade internacional. “A União Europeia passou de agente cético a um dos principais expoentes e um dos pioneiros na adoção de medidas supranacionais de mercado de carbono para combater o efeito estufa”, conta o advogado.

Fatores complexos marcaram essa mudança de atitude, e o mercado de carbono acabou se encaixando muito bem com a lógica de mercado único da União Europeia. “Era também uma medida relativamente ‘rápida’ a se implementar para atender as metas vinculantes no tratado de Kyoto para os países desenvolvidos, e rapidamente passou a se expandir pelo mundo”, continuou o convidado.

Comparação entre os mapas de 2023 e 2024 mostra o avanço do mercado de carbono no mundo, com países como Canadá, Índia e Brasil consolidando políticas em desenvolvimento. Atualmente, 18% das emissões globais de gases do efeito estufa estão submetidas a esses mercados, triplicando o percentual de 2005.
Os mapas de 2023 e 2024 destacam a rápida expansão do mercado de carbono no mundo. Grandes economias, como Canadá, Índia e Brasil, avançaram de iniciativas em consideração para mercados em desenvolvimento, enquanto países como Austrália ampliaram sua participação. Desde 2005, quando apenas 5% das emissões globais estavam submetidas a mercados de carbono, o percentual mais que triplicou, chegando a 18% em 2024. Esse crescimento reflete a popularização dessas políticas ambientais, muitas delas inspiradas no modelo pioneiro da União Europeia, que se tornou mais robusto ao longo do tempo.

Para se ter uma ideia, na primeira fase de implementação da União Europeia, em 2005, 5% das emissões globais de gases do efeito estufa estavam abarcadas no mercado de carbono. Já o último levantamento de 2024 tinha esse percentual mais do que triplicado. “18% de todas as emissões de gases do efeito estufa do mundo já estão submetidas agora à lógica do mercado de carbono”, contou Matheus, explicando que essa implementação tem sido feita, em geral, nos designs institucionais europeus.

Mercado de Carbono Regulado x Mercado de Carbono Voluntário

Quando se fala de mercado de carbono, existem vários tipos de estruturas regulatórias. Matheus Depieri as dividiu em dois principais tipos: o regulado e o voluntário.

“O mercado regulado costuma ser associado às induções obrigatórias de emissão e que, com base em legislações, normas, regulações e políticas públicas, são direcionadas a setores específicos. Você tem metas obrigatórias de redução de emissões de gases do efeito estufa? Esse mecanismo é regulado”, explicou.

Esse tipo de abordagem é mais utilizado tanto por empresas quanto por governos para cumprir metas nacionais, regionais e internacionais a exemplo do próprio acordo de Paris.

Já no mercado voluntário, empresas, países e indivíduos querem compensar a emissão de carbono sem estarem necessariamente vinculados a uma redução obrigatória dessas emissões. “A gente vê muito isso, por exemplo, aqui no Brasil, quando você tem empresas que querem inclusive fazer um marketing mais verde, ou então que, por diversas questões de ESG [Sigla para Environmental, Social and Governance, que traduzido significa “ambiental, social e governança], querem reduzir a sua pegada de carbono, entrando no mercado voluntário para comprar créditos e reduzir as emissões.


O “European New Union Emissions”

O sistema de comércio de emissões da União Europeia, lançado em 2005, foi o primeiro mercado de carbono do mundo. Ele atua nos países da UE, além de Islândia, Noruega, Liechtenstein e com parceria no mercado suíço. O objetivo principal é que os "poluidores paguem" pelas emissões, o que incentiva as empresas a reduzir suas emissões para evitar os custos associados.

O EU ETS opera sob o modelo cap-and-trade, no qual se define um limite (cap) de emissões para setores específicos. As permissões para emitir gases de efeito estufa são predominantemente leiloadas, embora uma pequena parcela ainda seja distribuída gratuitamente a determinados setores.

O mercado de carbono europeu foi planejado para se adaptar ao longo do tempo, com fases distintas que progressivamente introduzem limites mais rigorosos para emissões. Matheus Depieri destacou, por exemplo, que o cap é reduzido periodicamente, forçando as empresas a se adaptarem a metas de redução mais agressivas.

Com essa aplicação, o EU ETS teria alcançado, a par das críticas, uma redução de cerca de 47% nas emissões dos setores regulados em comparação com os níveis de 2005. Esse resultado reforça a eficácia do sistema ao longo dos últimos 20 anos, beneficiando os setores de alta emissão.

Outras curiosidades do sistema europeu

O sistema europeu inicialmente cobria setores como geração de eletricidade, aquecimento e indústrias intensivas em energia, como siderurgia e refino. Em 2024, incluiu também o setor marítimo, abrangendo cerca de 40% das emissões totais da União Europeia.

Todos os setores incluídos no EU ETS são obrigados a participar e a cumprir as metas regulatórias, pois a adesão é mandatória e sujeita a sanções para aqueles que não alcançam as metas.

A maior parte das permissões para emissões no sistema europeu é leiloada, o que não só regula as emissões, mas também levanta fundos para projetos de transição verde.

Entre 2013 e 2023, o leilão e as penalidades do sistema arrecadaram cerca de 175 bilhões de euros, destinados a apoiar a transição energética, aumentar a eficiência energética e a reduzir emissões em setores de difícil adaptação.

Para setores com alto risco de deslocamento (fuga de carbono), onde as empresas podem mover operações para países com regulamentação menos rígida, o sistema concede licenças gratuitas para manter a competitividade dessas indústrias e evitar perdas econômicas. O número de licenças gratuitas, no entanto, é reduzido progressivamente.

A UE mantém uma lista de setores econômicos com maior risco de deslocamento, garantindo suporte a essas áreas enquanto o mercado evolui.

No ciclo anual de compliance, as empresas devem reportar suas emissões de carbono, que passam por auditorias de verificadores credenciados. Elas precisam comprovar que possuem licenças suficientes para cobrir suas emissões, ou enfrentam multas significativas.

As licenças de emissão são tratadas como ativos financeiros, o que permite aplicar regras do mercado financeiro, como prevenção contra fraudes, manipulação de mercado e lavagem de dinheiro, aumentando a transparência e confiança no sistema.

Para cobrir setores adicionais, a UE lançará um segundo sistema de comércio de emissões (ETS 2) focado em combustíveis para edifícios e transporte rodoviário, ampliando a regulamentação para novas áreas que não se enquadram na estrutura do ETS original.

Resumo dos pontos abordados por Matheus Depieri.

Em conclusão, Matheus sublinhou que o mercado europeu é um sistema vivo, em constante adaptação para refletir as necessidades ambientais e econômicas da região, em uma evolução gradual para manter a eficácia do sistema e garantir a adesão das indústrias sem prejudicar severamente a economia.

Caminhar para o avanço e o alerta para a Justiça

Na conclusão de sua apresentação, que ainda abarcou outros temas relativos ao mercado de carbono e possível adaptação ao contexto brasileiro, Matheus Depieri afirmou acreditar que, muito em breve, a taxação de carbono vai começar a ser muito questionada nos tribunais, e que já não é uma “escolha” se preocupar com as questões ambientais por uma questão de sobrevivência da humanidade.

“É uma obrigação de cada um de nós, mas a tendência é que isso se acentue cada vê mais com os desastres ambientais”, acrescentou, pesaroso. “A questão de discussão é o que nós podemos fazer sem necessariamente parar tudo nas atividades industriais o que, na sociedade, atual, ainda não é viável”, concluiu.

Ao final, ainda houve tempo para discutir sobre a relação mercado de carbono e conciliação, além de os magistrados poderem questionar sobre o papel da regularização fundiária na saúde do comércio de carbono.

A íntegra dessa reunião pode ser acessada, pelo público interno, no canal da Reint1 no Teams.

AL

Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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