No dia 12 de novembro, mesmo dia em que o Senado Federal retomou a análise do marco regulatório para o mercado de carbono no Brasil (Projeto de Lei n. 182/2024), a Rede de Inteligência da 1ª Região (Reint1) recebeu o advogado, mestre em direito e diretor do Centro de Estudos Constitucionais Comparados da Universidade de Brasília Matheus Depieri para aprofundar o debate sobre a relação entre Poder Judiciário e os impactos desse comércio no País.
Assunto que, nos últimos tempos, ganhou força com a realização da COP29, o foco da Rede esteve em esclarecer o funcionamento do mercado de carbono europeu para abrir caminhos de análise no aprimoramento da prática brasileira.
Coordenador da Reint1 e do Sistema de Conciliação da 1ª Região (Sistcon1), o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão afirma que entender o complexo mercado de carbono é necessário à preservação do meio ambiente, sendo por isso fundamental que o Judiciário compreenda como pode facilitar e agir para a criação de condições de um comércio saudável.
“A Rede é o espaço de atualização da administração judicial e de aprimoramento da gestão do sistema. A reflexão da qual partimos hoje é: quais são as premissas para a estruturação da saúde do mercado de carbono no Brasil?”, analisou o magistrado.
Segundo Brandão, já foi possível perceber, por exemplo, que a Amazônia, destaque nas discussões ambientais, tem um problema gravíssimo com os títulos de propriedade. “O título parece ser um documento imprescindível a esse comércio”, considerou, ao observar a situação a partir de conhecimentos adquiridos no encontro anterior sobre o mesmo tema, promovido em outubro. “A gente monta novamente essa mesa de discussão para tentar desenhar um projeto de Justiça que favoreça a viabilidade do mercado de Carbono, principalmente na Amazônia”, afirmou.
Nesse sentido, o coordenador da Reint1 citou, a título de exemplo, o “Projeto Viva Alcântara”, iniciativa interinstitucional que ocorre agora, no final de novembro, entre os dias 29 e 30 do mês. A ideia por trás dessa ação da Justiça Federal, em parceria com outros órgãos, será justamente trabalhar a regularização de títulos e outros serviços da tutela jurisdicional para atender os alcantarenses no estado do Maranhão.
Lembrado pelo convidado Matheus Depieri, outro ponto que torna muito importante a discussão constante de temas ambientais pela magistratura federal foram os estudos que ganharam repercussão ao afirmar que praticamente foi ultrapassada a meta de 1,5º (graus) de aumento na temperatura global prevista no acordo de Paris.
“Estamos nos aproximando cada vez mais de momentos perigosos do clima global, perto de pontos de inflexão do meio ambiente que podem ser irreversíveis e com danos ainda não mensurados”, ressaltou.
Origem, evolução e história do mercado de carbono no mundo
Para aprofundar a experiência europeia, Matheus Depieri voltou-se primeiro às origens e evolução do mercado de carbono global.
Segundo o mestre em direito e diretor de estudos comparados da Universidade de Brasília, o mercado de carbono tem uma espécie de espinha dorsal, uma base teórica central de uma perspectiva econômica estadunidense.
O pressuposto econômico seria o de que “externalidades negativas” para a sociedade, como o caso dos impactos da poluição ambiental, podem ser tratadas de forma mais eficiente quando associadas aos direitos de propriedade – e assim comercializadas e distribuídas com custo de transação relativamente baixo.
“Falando em outras palavras e trazendo um pouco pro mercado de carbono, economistas argumentam, desde a década de 1960, que conferir direitos de propriedade a recursos ambientais e criar mercados para negociar esses direitos permite garantir certo nível de proteção ambiental com mais eficiência e a um custo menor”, disse Matheus Depieri.
Depieri apresentou as origens históricas e teóricas do mercado de carbono.
Para ele, essa teoria econômica não estaria isenta de críticas, e afirmou que muitos acadêmicos criticam essa lógica econômica para a proteção ambiental defendendo que o meio ambiente tem que ser protegido como um recurso em si mesmo. Mas, para Depieri, o fato é que há grande popularização dessas medidas econômicas, e tanto os Estados Unidos como a União Europeia e demais potências têm cada vez mais abraçado o custo-benefício na proteção ambiental com base na lógica econômica.
Em resumo, as experiências com o mercado de carbono teriam começado com iniciativas locais e regionais até chegar a uma fase maior de experimentação com o comércio de emissões de dióxido de enxofre.na década de 1990, nos Estados Unidos da América.
Relacionado com o problema da chuva ácida, o mercado de enxofre é considerado por muitos como o berço do comércio de emissões em larga escala. Desse ponto em diante, esse mercado começou a se espalhar na busca de abranger desafios ambientais diversos, não só chuva ácida.
A União Europeia era relativamente cética em relação a mecanismos de mercado, afirmou Depieri. Foi só em Kyoto que essa visão começou a ser abraçada pela comunidade internacional. “A União Europeia passou de agente cético a um dos principais expoentes e um dos pioneiros na adoção de medidas supranacionais de mercado de carbono para combater o efeito estufa”, conta o advogado.
Fatores complexos marcaram essa mudança de atitude, e o mercado de carbono acabou se encaixando muito bem com a lógica de mercado único da União Europeia. “Era também uma medida relativamente ‘rápida’ a se implementar para atender as metas vinculantes no tratado de Kyoto para os países desenvolvidos, e rapidamente passou a se expandir pelo mundo”, continuou o convidado.