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04/10/2023 19:13 - INSTITUCIONAL

Esmaf é palco de debates sobre os caminhos para vencer o risco do mercado ilegal de seguros automotivos

Em um país como o Brasil, com uma frota registrada de 60 milhões de carros, apenas 30% estão segurados. Dentro do universo de pessoas em busca de alguma garantia para proteger os seus bens automotivos, surgiu no mercado a chamada “proteção veicular”, produto polêmico que permeia o campo de irregularidade e da ilegalidade.

Esse foi o tema abordado na sede da Escola da Magistratura Federal da 1ª Região (Esmaf) que, na última sexta-feira, 29 de setembro, foi o palco para a realização da ação “Conversando com o Judiciário”, promovida pela Revista Justiça & Cidadania.

Segundo Thiago Salles, presidente do Instituto Justiça & Cidadania e secretário executivo da Revista, aproximar a sociedade civil do Poder Judiciário é o principal objetivo do projeto “Conversando com o Judiciário”, programa que, segundo ele, há mais de 12 anos trabalha para proporcionar conversas francas, abertas e transmitidas sobre temas “gargalos” da economia brasileira. Em breves palavras, ele justificou a escolha do tema da regulação da atividade seguradora.

“Cresce no país o exercício irregular da atividade seguradora pelas Associações de Proteção Veicular. Criadas com um pretenso objetivo de acolher os consumidores não atendidos pelas seguradoras, essas entidades comercializam contratos de seguro sem especificidade técnica, sem fiscalização e sem o compromisso de liquidez ou solvência de sua atividade”, afirmou.

Para o debate foram convidados o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gurgel de Faria, membro da 1ª Turma especializada em direito público; o coordenador de fiscalização de conduta de seguros massificados, pessoas e previdência da Superintendência de Seguros Privados (Susep), órgão fiscalizador das operações de seguro, previdência complementar aberta e capitalização, Gabriel Melo Costa; e o diretor do Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF), Marcelo Nascimento.

Qual o papel da Justiça Federal na questão?

Em nome da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região, a desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas reforçou a abertura para tratar de temas de interesse não só da magistratura, mas de toda a população dos estados sob a jurisdição da 1ª Região, fazendo breve contextualização do assunto escolhido para debate.

"Eu acredito que esse tema foi um assunto de extrema necessidade e aproveitamento, porque na questão de seguro todos nós, consumidores e cidadãos, estamos umbilicalmente ligados", manifestou a desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas sobre o evento. 

Para a magistrada, uma preocupação é justamente a atuação de entidades que, apesar de se autodenominarem “associações”, operam sem as devidas autorizações e garantias no mercado de proteção veicular. Ela destacou a participação do ministro Gurgel de Faria no encontro, porque sua atuação em relação ao tema no STJ elucida a questão, identificando essas associações realizando prática ilegal de mercado sob um falso discurso de desregulação no liberalismo. Além disso, as decisões do magistrado demonstram que essa atuação apresenta riscos à sociedade consumidora, com implicações no Direito Administrativo e também no Direito Penal.

“O ministro, em sua análise criteriosa esclarece o papel da Justiça Federal no contexto da regulação de seguros. A regulação de seguros é de fato uma das competências da União”, ressaltou a desembargadora Gilda. “A atividade ilegal que toque diretamente ao direito regulatório pode vir a ser julgada pelos magistrados federais”, disse ainda, afirmando que, segundo os desembargadores federais da 3ª Seção do Tribunal, Daniele Maranhão e Carlos Augusto Pires Brandão, presentes também no evento, o número de demandas sobre essa matéria é recorrente.

Também ao falar, o vice-presidente do TRF1, desembargador federal Marcos Augusto de Souza, destacou a repercussão do tema especialmente para os consumidores e frisou a importância do debate para iluminar as decisões no âmbito do primeiro e do segundo grau jurisdição.

Da história para o caso concreto

O ministro do STJ Gurgel de Faria escolheu começar sua fala com um pouco de história: ele voltou aos anos da Crise Financeira de 2007-2008, que impactou a economia global e também ficou conhecida como a “Crise do Subprime”.

Nesse contexto, elogiou o papel do Estado Brasileiro na regulação dos setores bancário e securitário, fundamental para que o Brasil sofresse menos o impacto desse importante evento econômico. E mencionou artigo por ele publicado tratando da intervenção estatal sobre a economia e a crise de 2008, destrinchando o desafio gerado pela ganância e pelas consequências de terem sido oferecidos empréstimos a quem não tinha condições de assumir os grandiosos compromissos assumidos, referentes especialmente ao mercado imobiliário.

Para o ministro do STJ Gurgel de Faria, sem a intervenção estatal no Brasil o desastre teria sido muito maior. E isso, segundo ele, promove a valorização não da estatização da economia, mas, sim, da intervenção e do maior cuidado do estado com setores importantes para a população. “O setor bancário e o setor securitário são muito sensíveis para a população porque ali estão as economias das pessoas”, reforçou.

Aspecto securitário aos olhos da Constituição e outras leis

No caso da regulamentação de atividade de seguro, o ministro resumiu principais pontos presentes nos artigos 21 e 22 da Constituição, nos quais consta que compete à União legislar sobre direito civil e sobre seguros – bem como fiscalizar.

Recordar esse aspecto constitucional se tornou importante, destacou, pois, com o passar do tempo e com a pressão exercida em razão das atividades dessas associações, os estados começaram a legislar sobre o tema, uma vez que as entidades não conseguiram avançar com uma legislação no âmbito federal.

Entre as outras leis que tocam diretamente o assunto, o ministro do STJ mencionou o Decreto Lei n. 73/1966, que criou a Superintendência de Seguros Privados (Susep), e o Código Civil, que regula o contrato de seguro em seus artigos 757 a 802.

Ministro Gurgel de Faria falou sobre as leis brasileiras que normatizam os seguros no País. 

Todo o levantamento desse precedente legal foi fundamental para que o ministro voltasse à pergunta principal do evento: a oferta de produtos, as associações que prometem garantir indenização em caso de dano a um bem, com a denominada “proteção veicular”, estão de acordo com o ordenamento jurídico brasileiro?

A resposta, segundo o ministro, é negativa.

A começar pelo fato de que essas instituições na verdade exercem uma atividade nítida de seguro, porque estão presentes todos os requisitos desse tipo de atividade: o risco, o bem protegido, o prêmio pago em razão da situação e, no caso de um sinistro, a indenização.

“Essas associações não podem estar atuando como se fossem verdadeiras empresas de seguro”, salientou o ministro Gurgel de Faria, destacando que elas assim o fazem sobre a falsa ideia de promoverem uma espécie de ajuda mútua. “Ao entrar na página dessas associações, se verifica que aquilo [proteção veicular] está sendo oferecido para qualquer pessoa, de forma indiscriminada e sem autorização da autoridade competente”, frisou.

Ao traçar o panorama da jurisprudência, tratou especialmente do entendimento de que as legislações estaduais que cuidam do tema (seguro), ainda que de forma transversa, são inconstitucionais (ex: Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.753/GO e Ação Direta de Inconstitucionalidade 7.151/RJ, ambas no Supremo Tribunal Federal, de relatoria do ministro Gilmar Mendes).

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça, o ministro Gurgel de Faria falou sobre decisão de sua autoria envolvendo um servidor público, demitido porque, na condição de presidente da associação com a finalidade de ofertar proteção veicular, na verdade ele estava a gerir uma empresa.

Isso, segundo o ministro Gurgel de Faria, tem implicações muito sérias. “Além da questão civil e da questão administrativa, tem ainda a questão criminal”, salientou. “Quem atua sem autorização [com seguros] está praticando um crime”, afirmou.

Para o ministro Gurgel de Faria, a correta percepção desses casos é fundamental porque não se pode deixar que as pessoas fiquem à mercê do mercado. “O estado tem que realmente regular essa atividade para que, se houver um sinistro, aquela pessoa tenha a segurança necessária de que o seu carro terá ali devidamente o serviço feito ou o veículo devidamente indenizado”.

Por que é arriscado?

Os riscos da prestação do serviço securitário por essas Associações não regulamentadas foram apresentados pelo coordenador de fiscalização de conduta de seguros massificados, pessoas e previdência da Susep, Gabriel Melo Costa, que dividiu sua apresentação em seis tópicos: o sistema nacional de seguros privados, a regulação do mercado segurador, os riscos das Associações de Proteção Veicular (APVs) para os consumidores, a dimensão dos mercados, a atuação da Susep e as medidas implementadas e em discussão.

Ele frisou que o papel da regulação é garantir que o consumidor que adquire esse tipo de produto tenha a mínima segurança que a empresa poderá honrar com os compromissos. “Quando obtemos o produto do seguro, queremos sequer precisar utilizá-lo. Mas se precisarmos, precisamos ter a garantia de que, acontecendo um dos eventos contratados, aquela empresa tenha as condições para garantir a cobertura do seguro”, explicou.

Ele mencionou aspectos da atuação da Susep que agem nesse sentido de promover garantias em relação às seguradoras, a exemplo das regras de solvência (como a exigência de capital mínimo para garantia de eventos não esperados como uma enchente); limites operacionais proporcionais ao Capital; instrumentos de mitigação de riscos; precificação por profissionais atuários; requisitos e responsabilização dos administradores responsáveis; requisitos de governança (para coibir a possibilidade de lavagem de dinheiro, por exemplo); e regras de proteção ao consumidor.

Assim, se por um lado a Susep acompanha as seguradoras para garantir todos esses requisitos mínimos, isso não acontece com essas associações, que atuam sem qualquer tipo de controle, e aí que está o risco.

Até mesmo os dados sobre esse mercado são bastante obscuros. De acordo com Gabriel Costa, o setor de proteção veicular era, em primeiro momento, tímido, preenchendo lacunas da falta de oferta, cobrindo riscos de veículos que não interessavam ao mercado tradicional e regiões sem coberturas ou com coberturas a preços exorbitantes.

No entanto, hoje se estima que já haja mais de 680 Associações de Proteção Veiculares – número incerto – movimentando valores na casa dos bilhões (7,1 a 9,4 milhões) e ‘’cobrindo’’ cerca de 4,5 milhões de veículos.

Durante o evento, Gabriel Costa, da Susep, apresentou alguns dados estimados do mercado de proteção veicular no Brasil, em comparação com o mercado de seguros legais. 

“Além do risco de o consumidor não ter os seus direitos observados e ser claramente uma concorrência desleal, porque não precisa observar todos os requisitos e exigências do mercado regular, há uma perda de arrecadação fiscal brutal, porque nenhum dos tributos previstos para o mercado regular é recolhido por essas associações”, afirmou. “O dano desse mercado paralelo, ainda mais na dimensão que ele tomou, é muito grande e precisa ser enfrentado”, acrescentou.

Como o mercado ilegal é combatido?

Gabriel Melo Costa afirmou que a princípio a Susep não acompanha as atividades das Associações e que, para combater essas ações, a superintendência trabalha basicamente com a análise de denúncia, com o objetivo de identificar:

  • Se o serviço da associação tem as características essenciais de uma operação de seguro;
  • Se há provas/indícios de que a entidade irregular está ativa;
  • E quais são os responsáveis pela gestão da entidade.

Se esses pontos são observados, o próximo passo é ajuizar ações civis públicas para cessar as atividades irregulares e evitar maiores prejuízos aos consumidores, e também acionar o Ministério Público Federal em razão da possibilidade de crime contra o Sistema Financeiro. Gabriel Costa afirmou ainda que a Susep aplica multas e outras penalidades, embora tenham baixa efetividade e, no geral, os processos sancionadores não tenham evitado o crescimento do mercado não autorizado.

Como medidas implementadas para evitar o desenvolvimento do mercado de proteção veicular ilegal, o servidor da Susep destacou, entre outras: a facilitação dos ingressos de novos “players” no mercado autorizado, proporcionando mais produtos que atendam melhor as necessidades das pessoas e ampliem a concorrência; o “sandbox” regulatório para empresas digitais que em caráter experimental trazem novos produtos, com uso intensivo de tecnologia, formatação de coberturas mais customizadas para determinados perfis; a facilitação também para que empresas de porte menor possam entrar no mercado, mas sem perder o rigor necessário; e a exigências de capitais menores, a depender da região de atendimento das empresas.

A situação do consumidor da proteção veicular: cliente ou associado?

O último a falar foi o diretor do Instituto de Defesa do Consumidor do Distrito Federal (Procon-DF), Marcelo Nascimento. Ele tratou das demandas que o Procon tem recebido em relação às Associações de Proteção Veicular.

Fez também uma breve descrição da percepção de como funcionam as associações, afirmando que são semelhantes aos clubes de benefícios, em que os proprietários de veículos se tornam membros e contribuem mensalmente com valores que são utilizados para cobrir eventuais prejuízos. No fundo, são vistos como grupos de pessoas que pretendem compartilhar custos e providências de assistências veicular para elas próprias, sem o objetivo de obter lucro.

Para ele, o principal dessa situação, além da falta de fiscalização, é que, na prática, não fica claro aos que adquirem essas proteções se eles são clientes ou associados; há também muitos problemas referentes às alterações repentinas dos planos, justamente quando é necessário, por exemplo cobrir algum sinistro e todos os “associados” acabam precisando pagar a mais do que pretendiam no começo.

“Somente agora, nos últimos dois anos, pelo menos aqui no Procon do DF, é que os problemas com essas associações chegaram para a gente. Justamente porque no estatuto delas trazem eventualmente que aquele estatuto não se submeteria às regras do Código de Defesa do consumidor porque ali não se trataria de uma relação de consumo”, relatou Marcelo Nascimento.

A falta de informação e transparência é a principal reclamação que tem chegado à instituição de defesa dos direitos do consumidor, apontou o diretor do Procon-DF. “O consumidor acaba ingressando naquela associação achando que é um cliente e só depois que ele tem a noção de que é um associado e que há grande diferença entre [uma realidade e outra], porque como associado ele vai ter que suportar os eventuais prejuízos daquela Associação”, explicou Marcelo Nascimento.

O diretor do Procon-DF, Marcelo Nascimento, apontou algumas das principais questões que têm levado as pessoas a procurarem o órgão de defesa dos direitos do consumidor nos casos envolvendo a proteção veicular. 

Ele explicou que o funcionamento dessas entidades normalmente prevê uma taxa mensal e uma taxa adicional em caso de necessidade, onde reside o problema: pois ao invés de terem um caixa para lidarem com as adversidades, o peso acaba recaindo sobre os associados. E mais: não há transparência no caixa formado pelas associações, fazendo com que as pessoas não saibam como o dinheiro afinal está sendo utilizado. “Acaba que o consumidor não sabe quanto que vai ter que gastar por mês e desembolsa um valor maior do que aquele que já havia pago, fora os problemas de o consumidor realmente conseguir aquela indenização que ele está pleiteando. Os tribunais estão sendo abarrotados de ações justamente por isso”, contou, exemplificando mais de 400 processos nesse sentido na justiça.

A principal violação de princípio relacionada a esses fatos é a violação ao princípio da boa-fé objetiva, acrescentou o diretor do Procon-DF.

Salientou ainda pontos como essas associações serem ambientes propícios a fraudes e abusos, não terem avaliação de riscos, nem reserva técnica ou recolhimento de tributos, como já pontuados em outros momentos da palestra. E destacou vasta jurisprudência que entendeu que a relação entre os associados e as associações, na verdade, se tratava sim de relações consumeristas.

Como caminhos de solução, Marcelo Nascimento sugeriu a criação de uma regulamentação adequada pelo Governo Federal; a transformação das associações em seguradoras regulamentadas; e o equilíbrio entre a inovação no mercado de seguros e a proteção no interesse do consumidor.

Entendimento completo para melhor decidir

Ao final das palestras, a desembargadora federal Daniele Maranhão, que esteve presente, ressaltou o valor de encontro. “Quando a gente entra em processo de estudo dessa matéria, normalmente a gente não busca todo o processo social e o processo empresarial que faz com que uma ação dessa culmine em nossa mão, para fazer um estudo maior circunstanciado”, comentou.

Ela apresentou a possibilidade de que a ampliação da oferta seja objeto da regulação, já que as APVs muitas vezes vêm para suprir uma falta do mercado; e a preocupação com a falta de movimento para extirpar essas entidades que atuam de maneira ilegal, coibindo a participação e existência dessas empresas.

Os dados sobre a quantidade de ações na Justiça também chamaram a atenção da desembargadora federal, que propôs a possibilidade de identificar, no sistema de justiça, uma matéria que levasse a um recurso repetitivo.

A íntegra dos debates e das palestras seguirá disponível no canal da Revista Justiça & Cidadania.

Veja também no portal: Riscos do mercado ilegal da proteção veicular são destaque no encontro “Conversando com o Judiciário”.


AL


Assessoria de Comunicação Social A íntegra dos debates e das palestras seguirá disponível no canal da Revista Justiça & Cidadania.

Tribunal Regional Federal da 1ª Região


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