A Rede de Inteligência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (Reint1) recebeu, na terça-feira, 24 de setembro, um especialista em desenho de sistemas de resolução de disputas para apresentar os estudos desse campo de conhecimento e proporcionar a sua aplicação nos casos complexos de demandas estruturais envolvendo conciliação.
Professor adjunto na Pepperdine Caruso School of Law (Malibu CA), mestre pela universidade Harvard e doutor pela Universidade de São Paulo (USP), Diego Faleck foi o especialista convidado.
Participaram do encontro o coordenador da Reint1 e atual coordenador do Sistema de Conciliação da 1ª Região (Sistcon1), desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão; a desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso, que por muitos anos esteve à frente da Conciliação na Justiça Federal da 1ª Região; a coordenadora responsável pela Justiça Restaurativa, desembargadora federal Ana Carolina Roman; o responsável pela coordenação temática de Direitos dos Povos Indígenas e Tradicionais no âmbito da Conciliação, desembargador federal Flávio Jardim; e a desembargadora federal Rosana Noya, além de outros juízes e juízes da 1ª Região.
Na abertura da reunião, o coordenador da Reint1 destacou a importância do trabalho de Diego Faleck na resolução de disputas estruturantes e mediação, agradecendo a ele por trazer novas perspectivas sobre a criação de sistemas de resolução de conflitos. O desembargador federal mencionou que a 1ª Região já utiliza métodos como a Rede de Inteligência para temas práticos, o que vem sendo uma vitrine para o desenvolvimento de boas práticas judiciais.
Para Brandão, modificar a forma como a Justiça é percebida e operacionalizada no Brasil é essencial e, segundo ele, o foco no juiz construtor de soluções são as indicações para um futuro mais ágil, colaborativo e humano no Judiciário brasileiro.
O Design/Desenho de Sistema de Disputas (DSD) é o esforço inteligente, deliberado e intencional de olhar como as disputas são resolvidas em determinados contextos e sistemas. Essa foi a descrição dada pelo professor Diego Faleck, que contou a trajetória desse campo do conhecimento e sua chegada recente ao Brasil.
Com base na fala do especialista, o foco desse campo de conhecimento é permitir criar soluções inteligentes, práticas e ajustadas às necessidades de cada local para resolver conflitos. E não se trata apenas de resolver casos judicializados, mas também de prevenir que eles se tornem litígios por meio da criação de sistemas confiáveis e inteligentes.
Diego Faleck explicou que o desenho de sistemas judiciais é uma prática antiga, relatada desde os textos bíblicos, a exemplo da passagem no livro do Êxodo em que Jetro discute com Moisés a necessidade de repensar as idas e vindas do povo para solucionar casos julgados pelo profeta. “Essa ideia de você olhar um contexto, entender o que está funcionando, o que não está funcionando e propor um sistema diferente é muito antiga”, reforçou o professor.
O DSD começou a ser estudado nos Estados Unidos da América na década de 1990, diante de vários casos como a contaminação por amianto, o atentado de 11 de setembro e a invasão do Iraque ao Kuwait. Esse campo de estudos também é muito relacionado a Frank Sander, considerado o “inventor” do Tribunal Multiportas, e o qual Diego Falek teve a oportunidade de conhecer na época em que ele se apresentava com a criação do curso sobre o desenho de sistemas.
Lidando com grandes catástrofes
O DSD já foi experimentado em grandes casos de mediação, como o desastre de Mariana/MG e o caso da Braskem, em Maceió/AL. Explorando o contexto da indenização do dano individual homogêneo, o professor Diego Falek mencionou as inúmeras frentes desse tipo de ação (coletivas, criminais, ambientais), e salientou que tem como ponto firme de atuação a indenização de vítimas de famílias – Falek atuou também em casos como o acidente da TAM e em ação de pescadores de Belo Monte, nos casos de contaminação de terrenos em que foi necessário evacuar 800 famílias de uma região.
“Qual a característica de todos esses acidentes aéreos, ambientais? Quando você tem um caso desses de repercussão, quais são os grandes desafios?”, indagou Diego Falek, provocando reflexão. Na visão do professor, normalmente, nessas calamidades há muita raiva e emoção envolvida, desconfiança, expectativas elevadas, pressão em geral de toda a sociedade – e tudo isso dificulta deixar que as partes se entendam.
Criar um sistema opcional, transparente e isonômico
Para Diego, lidar com esses obstáculos implica criar um sistema opcional, que não tire das pessoas o direito de seguirem com a litigância se elas se sentirem injustiçadas, mas que seja confiável, transparente e que pague adequadamente, para evitar a judicialização e permitir a tomada de decisão pelas pessoas.
Além da transparência, a isonomia também é uma chave importante: tratar as situações semelhantes de forma semelhante. “Não tratar com isonomia mina os resultados da consensualidade”, observou. “Um programa confiável tem critério objetivo, parâmetros de referência”, acrescentou. “Os tribunais vêm decidindo essas questões há décadas, se não centenas de anos, então hoje você tem parâmetro para tudo na jurisprudência. A ideia é organizar esses parâmetros e deixá-los disponíveis e às vezes até negociados”.
Esse tipo de abordagem foi só o princípio das explanações de Diego, que focou nas alternativas que geram celeridade e legitimidade, com ponto-chave em sistemas de mediação e indenização voluntários, o que ajuda a combater a desconfiança das partes, tratá-las com dignidade e humanizar o processo judicial, garantindo indenizações “justas e rápidas”.
Em conclusão, para Faleck, o modo tradicional de resolução de conflitos tem fortes traços de burocracia e ineficiência, mas o Brasil está avançando em programas de mediação sofisticados, e tem grande potencial para inovar na solução de disputas de alta complexidade.
A íntegra da palestra do convidado, bem como das manifestações dos magistrados da rede, está disponível para o público interno na equipe da Rede no Teams.
O desembargador federal Roberto Veloso destacou o valor da abordagem dada pelo palestrante, afirmando que vê, no Brasil, uma cultura forte de litígio.
Coordenadora do Sistcon em gestões anteriores, a desembargadora federal Maria do Carmo Cardoso falou sobre a relevância de criar um plano estratégico de conciliação em casos de danos ambientais e crimes complexos, aproveitando a Rede de Inteligência para aprofundar essas discussões e melhorar a governança do sistema judiciário.
Já o desembargador federal Flávio Jardim levantou questionamento sobre a responsabilidade civil do Estado em grandes catástrofes e como isso afeta a resolução de conflitos. Questionou sobre a viabilidade de aplicar a mediação e sistemas de resolução de disputas em situações em que o Estado é uma das partes, dada a complexidade e os obstáculos legais envolvidos nesses casos.
"A Justiça Federal – no Brasil – lida muito com a questão da responsabilidade do estado e isso gera uma dificuldade enorme, porque muitas vezes são ações de particulares, mas a alegação de responsabilidade civil é do Estado por negligência, falta de fiscalização, o que gera toda uma complexidade na área de acordo porque o estado, em regra, nega essa responsabilidade", ponderou. Para o desembargador federal, a resolução de disputas, além da ação judicial, requer um esforço político para garantir a efetividade.
Ao final da reunião, a desembargadora federal Rosana Noya também manifestou elogios às ideias apresentadas, reconhecendo a importância dos debates sobre as demandas judiciais complexas e os vícios construtivos.
AL
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região