Neste dia 26 de agosto, celebra-se o Dia Internacional da Igualdade Feminina, relacionado à data em que as mulheres conquistaram o direito de voto nos Estados Unidos, em 1920.
Mesmo após décadas terem se passado, o mundo ainda enfrenta a desigualdade de gênero, e isso não é diferente no universo do Poder Judiciário.
Conheça, nesta reportagem especial, o contexto atual da igualdade feminina no Brasil e o que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região tem feito, no âmbito institucional, para minimizar os impactos da desigualdade de participação na prestação de Justiça.
Participação feminina na Justiça hoje
O Brasil tem 104,5 milhões de habitantes mulheres, 51,5% da população segundo o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), realizado em 2022. Mas, apesar de as mulheres serem maioria no País, o percentual de magistradas no Poder Judiciário é de 38%, em contraposição a 62% de magistrados.
Na Justiça Federal, esse número cai ainda mais: apenas 31% são juízas ou desembargadoras. Esses dados foram revelados pelo relatório Participação Feminina na Magistratura: Atualizações 2023, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) – órgão responsável por aperfeiçoar o trabalho do Judiciário Brasileiro, principalmente no que diz respeito ao controle e à transparência administrativa e processual.
O documento do CNJ também indica que, em todos os segmentos da Justiça, a participação das mulheres é ainda menor em cargos de ministras e de desembargadoras.
Quanto à porcentagem de servidoras admitidas para cargo de confiança ou função comissionada, o cenário muda um pouco. Em todo o Poder Judiciário, as servidoras representam 56% das admissões para cargos de confiança ou função comissionada. No TRF1, por exemplo, essa realidade mais equânime entre servidoras e servidores já é percebida há pelo menos três anos, conforme apontado pelo Relatório do Plano de Logística Sustentável 2023.
Porém, se levarmos em consideração os dados históricos analisados na pesquisa nacional “A participação feminina nos concursos para a magistratura” – feita pelo CNJ, em 2020, em parceria com a Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Enfam) –, a Justiça Federal ainda tem percentuais constantemente baixos de aprovação de mulheres em concursos públicos e não apresenta avanços nos índices de aprovação feminina, mesmo com percentuais mais elevados de participação de mulheres nas comissões ou nas bancas dos processos seletivos.
Capa dos estudos do CNJ que divulgam dados sobre a participação feminina no Judiciário.
Medidas para transformar a realidade
Antes mesmo dos resultados desses estudos, em 2018, o CNJ instituiu a Política Nacional de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário por meio da Resolução CNJ 255/2018.
Os dados que demonstravam a desigualdade da ocupação de cargos no Poder Judiciário por parte de mulheres à época estão entre os principais motivos para a criação da Política, já que havia número significativamente menor do que a participação masculina.
Essa diferença, vista como obstáculo à igualdade de gênero, levantou preocupações como a possibilidade de descumprir compromissos internacionais assumidos para combater a discriminação contra a mulher – a exemplo da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (Decreto 4.377, de 13 de setembro de 2022).
Por isso, o CNJ entendeu que todos os ramos e unidades do Poder Judiciário deveriam adotar medidas para assegurar a igualdade de gênero no ambiente institucional, “propondo diretrizes e mecanismos que orientem os órgãos judiciais a atuarem para incentivar a participação de mulheres nos cargos de chefia e assessoramento em bancas de concurso e na condição de expositoras em eventos institucionais”.
Saiba mais sobre
o assunto
Uma análise do Índice de Normas Sociais de Gênero (GSNI) em 2023, que abrange 85% da população global, revelou que aproximadamente 9 em cada 10 homens e mulheres têm preconceitos fundamentais contra as mulheres.
Além disso, o relatório apontou que as mulheres têm mais habilidades e níveis de educação, porém, mesmo nos 59 países onde elas têm melhores índices educacionais que os homens, a diferença média de renda entre os gêneros permanece em 39% a favor dos homens.
Por motivos como esse, garantir a participação plena e efetiva das mulheres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis de tomada de decisão na vida política, econômica e pública é um dos objetivos sustentáveis do Pacto Global da Organização das Nações Unidas.
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Nesse sentido, o TRF1, como um dos primeiros gestos de atuação, instituiu, em 2020, a Comissão de Estudos sobre a Participação Feminina na Justiça Federal da 1ª Região, também chamada de Comissão TRF1 Mulheres (Portaria Presi 9896321/2020).
Mais de quatro anos de atuação pela igualdade de gênero
E, de 2020 para cá, como tem sido a participação feminina na Justiça Federal da 1ª Região? Qual a situação da igualdade de gênero hoje no Tribunal Regional Federal da 1ª Região e nas Seções e Subseções Judiciárias que representam 13 entes federativos do País? E o que o Tribunal tem feito para incentivar a participação feminina na Corte?
Responder a esses e a outros questionamentos relativos à representatividade das mulheres faz parte da atuação da Comissão TRF1 Mulheres. Estudos qualificados, pesquisas, eventos e alinhamento das políticas nacionais de representatividade feminina à gestão do Tribunal são só algumas das principais atividades que têm sido conduzidas pelos integrantes do grupo.
Dentre as atribuições da equipe, desde que foi instituída, estão as de:
Integrando a Comissão, desde que foi instituída, a juíza federal Clara da Mota Santos Pimenta Alves, atualmente em auxílio à Presidência do TRF1, conta um pouco sobre a trajetória do grupo. “A Comissão se iniciou no ano de 2020, sob a Presidência da desembargadora Daniele Maranhão. Foi sucedida pela desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas e no fim do ano de 2023 assumiu a desembargadora Solange Salgado. Eu enxergo isso como uma sinergia, uma continuidade de trabalho entre todas essas gestões. A linha de trabalho da Comissão, que tem se mantido ao longo do tempo, é uma linha que primeiro privilegia a realização de estudos e pesquisas”, relata a magistrada.
No primeiro ano de atuação, sob condução da desembargadora federal Daniele Maranhão, os trabalhos da Comissão foram guiados pelo questionamento acerca das principais demandas das juízas e servidoras no campo da política de inclusão feminina. Por isso, o grupo realizou uma pesquisa para ouvir todas as desembargadoras federais, juízas federais, juízas federais substitutas, servidoras, terceirizadas e estagiárias sobre seus desafios, expectativas e dificuldades enfrentadas nos ambientes profissional e pessoal.
Mais de 1,4 mil mulheres das então 14 unidades federativas da 1ª Região (Minas Gerais ainda integrava o TRF1) responderam ao levantamento. O objetivo principal foi começar a estabelecer um canal de comunicação da Comissão com as mulheres, bem como reunir informações quanto às suas reais necessidades.
As questões diziam respeito a desafios inerentes à carreira, maternidade, deveres domésticos, equilíbrio entre vida familiar e profissional e relacionamento com colegas, outros profissionais e jurisdicionados. Questões sobre assédio moral e/ou sexual e opinião sobre a forma como as mulheres são percebidas em geral também foram levantadas pela pesquisa. Ao fim do questionário, ofereceu-se ainda espaço para manifestação livre das mulheres do TRF1.
Os resultados desse levantamento foram encaminhados à Administração do Tribunal, ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e ao Conselho da Justiça Federal (CJF), bem como aos setores de capacitação, que desenvolveram ações para tratar da inclusão digital e da prevenção e enfrentamento do assédio, e para ofertar continuamente soluções educacionais de valorização à multiplicidade de olhares e de novas ideias trazidas pela diversidade de gênero, raça, pessoas com deficiência e outras diversidades existentes nas equipes de trabalho.
Sobre o levantamento, a desembargadora federal Daniele Maranhão afirma que foi essencial para instituir uma política de valorização da mulher na 1ª Região e estimular a igualdade da representatividade entre homens e mulheres.
“A pesquisa revelou que no grupo geral [desembargadoras federais, juízas federais e substitutas, servidoras, terceirizadas e estagiárias das 14 Seções Judiciárias da 1ª Região e do Tribunal] 13% estão insatisfeitas com o equilíbrio entre a vida profissional e pessoal e, no caso das magistradas, são 31,97%. Questionadas se acreditam que suportam uma carga maior do que os homens como profissional e mulher, 65% das servidoras disseram que sim, e 84% das magistradas expressaram o mesmo sentimento. Além disso, quando questionadas se a carreira foi ou pode ser um empecilho para ter filho, mais de 50% das magistradas confirmaram a dificuldade, principalmente considerando o tamanho do Tribunal Regional Federal da 1ª Região”, informou a magistrada.
De acordo com a primeira presidente da Comissão, na época da pesquisa, 34% das juízas federais substitutas informaram que não pretendiam se titularizar, tendo como principal barreira a ruptura da unidade familiar, com destaque ainda para o fato que 73,4% disseram que, no caso de se titularizarem, não seriam acompanhadas por seus companheiros.
“Por isso é importante que nosso Tribunal envide esforços para permitir que mulheres trabalhem em igualdade de condições, tenham seus filhos, amamentem e busquem vivenciar o lazer e a família. Isso já vem sendo pensado com a implantação de creches, a utilização do trabalho remoto ou híbrido e muitos outros recursos possíveis a fim de minimizar essa diferença”, acrescentou Daniele Maranhão.
O trabalho da Comissão na prática
Para além do desenvolvimento de estudos, a Comissão TRF1 também se dedica a realizar essas outras ações concretas pela igualdade de gênero na 1ª Região, como estar aberta a consultas formuladas por servidoras e servidores pelo canal do “Fale Conosco”, na página oficial do grupo, e pelo e-mail trf1mulheres@trf1.jus.br.
A Comissão busca, também, a comunicação institucional das atividades relativas à participação feminina no TRF1 em parceria com a Assessoria de Comunicação Social (Ascom), mantendo uma identidade visual própria e uma página no portal do Tribunal vinculada ao grupo. Essa página reúne normativos, decisões judiciais de assuntos de interesse das mulheres e materiais produzidos pela Comissão, além indicar o canal da Ouvidoria da Mulher.
Realizar eventos de conscientização, capacitação e outros também entraram no escopo de atividades do grupo. “Desde 2020, têm sido realizados eventos anuais, sobretudo no mês de março, quando se celebra o Dia Internacional da Mulher”, explica a juíza federal Clara da Mota.
E por que ainda é importante trabalhar pela conscientização? Para a ex-presidente da Comissão TRF1 Mulheres, desembargadora federal Daniele Maranhão, embora a ideia de a mulher responsável por todas as funções de casa e da educação dos filhos tenha ficado para trás, os resquícios sociais que demandam maior participação da mulher nessas tarefas repercutem no acesso a cargos que exigem mais dedicação e disponibilidade de tempo, e inverte a pirâmide remuneratória e do poder, mantendo as mulheres na base dessa estrutura.
Ela cita, por exemplo, o fato de a procura de mulheres pela magistratura não ter crescido, mesmo com políticas afirmativas de inclusão e de promoção. “As dificuldades femininas alcançam setores sociais e dificuldades internas das famílias. O grande desafio da Justiça Federal, que dentre todas é a que detém o menor número de mulheres, e do nosso Tribunal, que possui a maior área territorial, é compatibilizar as dificuldades naturais das mulheres, decorrentes de uma sociedade desigual, e viabilizar o trabalho de suas juízas sem fragilizá-las como profissionais”, afirmou Daniele Maranhão.
Segundo a desembargadora, um dos grandes empecilhos à magistrada se dá no momento da promoção, já que o Tribunal Regional Federal da 1ª Região alcança 13 unidades da federação e comumente a promoção se dá para estado distinto da residência habitual da juíza. “Isso provoca desestrutura familiar, o que muitas vezes faz com que a promoção seja postergada ou nunca venha a ocorrer. Com isso a carreira não flui e há um natural desestímulo que influi diretamente na procura da Justiça Federal por mulheres”, manifestou-se Daniele.
Por fim, na visão da desembargadora, o estabelecimento de políticas públicas afirmativas, como a promoção equitativa para homens e mulheres e o protocolo para julgamento com perspectiva de gênero, ambos incentivados pelo CNJ, abrem novas possibilidades à justiça brasileira.
“A propósito, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região criou recentemente uma ouvidoria especialmente para mulheres no intuito de combater o assédio e a discriminação de gênero, e tem edital aberto exclusivamente para juízas federais com o objetivo de preencher vaga de desembargadora federal. Sou otimista com nossas conquistas, mas a participação de homens e de mulheres é imprescindível para que haja um avanço efetivo, seja na sociedade, seja em nosso ambiente de trabalho”.
Empenhos da Gestão 2022-2024
A desembargadora federal Gilda Sigmaringa Seixas, que presidiu a Comissão de 2022 a 2024, cita que, nesse período, foram desenvolvidas ações para tratar da inclusão digital e da prevenção e enfrentamento do assédio, a exemplo do lançamento da Cartilha de Prevenção e Combate ao Assédio e à Discriminação e da elaboração do Fluxo de Prevenção (Portaria 555/2023).
Além disso, foram realizados encontros com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) para tratar das prerrogativas das advogadas, especialmente gestantes e lactantes, e diversos eventos para promover a conscientização acerca de questões de gênero.
Auditório da Escola de Magistratura Federal da 1ª Região durante o evento
“Mulheres Inspiradoras: em prol da Saúde e contra o Assédio”.
“No ano de 2023, tivemos avanços notáveis no campo da inclusão feminina, mais especialmente com a transformação do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero do Conselho Nacional de Justiça em Resolução e ainda com a edição de uma resolução voltada a tratar da promoção de magistradas”, afirmou a desembargadora federal Gilda Sigmaringa.
A Comissão auxilia, ainda, na promoção da conscientização acerca das questões de gênero, apoiando os trabalhos do Setor de Promoção da Qualidade de Vida no Trabalho (Setvid) do Tribunal que, todos os anos, implementa a campanha Agosto Lilás pelo fim da violência contra a mulher e a campanha pelo Dia Internacional da Igualdade Feminina.
“Eu acredito que a Comissão também tem sido muito feliz na realização de um enlace entre as políticas institucionais do Conselho Nacional de Justiça e a atuação do TRF da 1ª Região”, comentou a juíza federal Clara da Mota.
Para ela, “o Conselho Nacional de Justiça tem avançado em uma série de medidas a favor da promoção dos direitos das mulheres usuárias e, também, integrantes do sistema de justiça (magistradas, servidoras e terceirizadas). E o TRF 1ª Região não só tem dado atenção ao cumprimento de todos esses atos normativos como a Comissão TRF1 Mulheres tem funcionado como uma ponte, uma unidade articuladora dessas políticas públicas”.
Os resultados de todo esse trabalho feito pela Comissão TRF1 Mulheres têm se refletido na busca pela garantia do direito fundamental da igualdade entre homens e mulheres defendido na Constituição Federal. “Acredito que é um trabalho super exitoso, que tem dado certo e que seguramente terá continuidade no âmbito do TRF1”, concluiu a juíza Clara da Mota.
Próximos passos
Atualmente, dez membros integram a Comissão TRF1 Mulheres, conforme a Portaria Presi 1499/2023. A desembargadora federal Solange Salgado é a atual presidente da Comissão e destacou, em março deste ano, qual seriam os próximos passos à frente do grupo. “Assumi a Comissão TRF1 Mulheres com o desafio de dar continuidade às excelentes gestões que me precederam. Para o ano de 2024, seguiremos atuando em ações educacionais em parceria com a Esmaf e a Comissão de Enfretamento ao Assédio. Por fim, está no nosso foco a edição de regulamento que faça valer as prerrogativas de advogadas mulheres, especialmente gestantes e lactantes (trabalho esse que foi concluído em junho deste ano), bem como avançar na prevenção à violência doméstica contra servidoras, magistradas e terceirizadas, no âmbito da nossa comunidade funcional, mediante a criação de protocolos e canais específicos de atendimento. Há muito a se fazer, e a Comissão está pronta para enfrentar os desafios que se abrem”, afirmou a atual presidente.
Ao lado da desembargadora, também atuam na Comissão o desembargador federal Carlos Pires Brandão; as juízas federais Lívia Cristina Marques Peres, Clara da Mota Santos Pimenta Alves e Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida; o juiz federal Eduardo Pereira da Silva; a servidora da Seção Judiciária de Roraima (SJRR) Mariana Godoi da Silva e os servidores do TRF1 Fabrício Ramos Ferreira e Jean Carlo Batista de Oliveira. A desembargadora federal Nilza Reis também integrou a Comissão até o dia 1º de agosto, data em que se aposentou.
Acesse a página Comissão TRF1 Mulheres no portal do Tribunal para acompanhar os trabalhos realizados pelo grupo em prol da participação feminina na Justiça Federal da 1ª Região.
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região