Ver o resultado final dos processos envolvendo o fornecimento de medicamentos tem sido um desafio para o cidadão que busca o Poder Judiciário. Por meio da inovação, a 1ª Região está prestes a oferecer um facilitador a essa resposta com o Sistema Inteligente de Busca (SIB) e outras medidas.
Concebido no Laboratório da Justiça Federal da 1ª Região (LabJF1), ainda em fase de testagem, o SIB tem se mostrado capaz de ajudar a vencer um dos grandes obstáculos da ação célere e mais uniforme desses casos: a triagem eficiente.
Projetado para funcionar como um “Google” dentro do Processo Judicial Eletrônico (PJe), o Sistema Inteligente de Busca permite, em essência, encontrar processos por meio de uma busca refinada de palavras, extraídas de um acervo textual do PJe.
O servidor Hugo Pereira Leite Filho, considerado carinhosamente como “pai do SIB” pelos laboratoristas do Tribunal, explica a concepção e o desenvolvimento do sistema, que nasceu do projeto “Medicamentos: alto custo, baixa espera” do LabJF1. Também a servidora Letícia Leite Lopes, usuária “teste” do SIB, lotada no gabinete do desembargador federal Newton Ramos, conta qual tem sido a aplicabilidade do sistema que tem permitido melhorar a prestação jurisdicional para além das demandas de medicamentos. Confira a seguir nesta reportagem especial.
A história por trás da solução
Há cerca de um ano, em abril de 2023, o Laboratório de Inovação da Justiça Federal fez um mapeamento interno com magistrados e servidores para entender as dores mais cruciais do jurisdicionado. Os medicamentos de alto custo foram os eleitos, dada a relevância do tema que envolve o direito à vida e à dignidade humana.
Não é por pouco que as ações envolvendo o acesso à saúde são tema de atenção e dedicação do Judiciário. Para se ter uma ideia, o Painel de Estatísticas Processuais de Direito à Saúde mostra que, só em 2023, foram mais de 75 mil processos novos no Judiciário; em 2024, até a última atualização do painel, já entraram mais de 4 mil processos. O TRF1, por sua competência federal, decide em muitos casos envolvendo o pedido de fornecimento de medicamentos, seja naqueles que podem ser fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ou pelos planos de saúde, como o da Caixa Econômica Federal, dentre outros casos.
(Leia, por exemplo: “Pessoa com doença de Crohn garante direito a medicamento via Sistema Único de Saúde” e “Plano de saúde deve fornecer a paciente medicamento para dermatite atópica severa”
Integrando a reunião que ajudou a definir o tema foco da inovação do Tribunal em 2023 esteve a então juíza federal Kátia Balbino, hoje desembargadora federal do TRF1. A magistrada é referência no campo da saúde, e atuou por mais de uma década à frente da vara federal do Distrito Federal especializada no assunto. O encontro inicial do laboratório para levantamento dos problemas também foi conduzido pelas magistradas Maria Cecília de Marco Rocha e Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, coordenadora e consultora fixa do LabJF1, respectivamente.
Outras reuniões foram marcadas ao longo do ano para definir plano de ação e principais atores internos e externos. Sete equipes de gabinetes do TRF1 foram entrevistadas, bem como representante de vara federal do primeiro grau e de central de perícias, além de equipes técnicas que lidam com o PJe e com o fomento da Atividade Judicial. Por meio das discussões travadas, percebeu-se que um dos primeiros movimentos da Justiça Federal deveria ser o de aprimorar a triagem desses processos no acervo do Processo Judicial Eletrônico (PJe).
Encontrar os processos diante da grande quantidade de ações que estão para julgamento diariamente no âmbito do Tribunal é de fato um desafio dos gabinetes. São milhares nos acervos aguardando julgamento e seus “rostos” às vezes podem ser indefinidos. Uma das razões por que isso pode acontecer, segundo explica a servidora do gabinete do desembargador federal Newton Ramos, Letícia Lopes, é que muitas vezes os assuntos no Processo Judicial Eletrônico não são cadastrados da melhor maneira e eles ficam perdidos em classificações outras ou genéricas, que não facilitam.
Diversas outras ferramentas foram cogitadas para triar os processos por termos textuais e facilitar a formação de lotes de processos de forma colaborativa durante o processo de ideação no laboratório até se chegar à solução do desenvolvimento do SIB. Segundo o servidor Hugo Pereira Leite filho, que integra o Núcleo de Fomento à Automação (Nufaj) da Coordenadoria de Inovação e Fomento à Atividade Judicial (Cofaj), a proposta para esse novo sistema levou em consideração algo da prática comum do dia a dia: a busca “Google”.
Enfim, o SIB
“O Google foi o nosso espelho para o SIB. Em geral, quando a gente tem uma dúvida, a gente busca o Google, não é? Então idealizamos dessa mesma forma: para fazer triagem, imaginamos que o Google resolveria o problema. O objetivo foi usar essa mesma metodologia do Google para dentro dos gabinetes”, contou Hugo Pereira.
Mesmo em sua versão de teste, que limita o acesso a todos os dados atuais do PJe, o SIB já tem ajudado a solucionar questões relativa à triagem, permitindo encontrar, por exemplo, “processos perdidos”.
Letícia Lopes citou, a título de exemplo, a possibilidade de realizar buscas pelo nome de determinado medicamento (como o Trikafta, utilizado no tratamento da fibrose cística) para identificar processos com a mesma proposição e realizar julgamentos em bloco. Os julgamentos em bloco, afirmou, ajudam a dar uma resposta mais uniforme aos casos.
Quem também deu um exemplo sobre a utilização dessa versão teste do SIB foi a juíza federal Maria Cecília de Marco Rocha, durante uma aula do Curso Gestão Judicial 360º. Ela mencionou que o sistema foi utilizado pela Presidência para a busca de processos relacionados à matéria quilombola, demandados pelo CNJ.
(Clique aqui para acessar a aula completa da juíza federal coordenadora do LabJF1 Maria Cecília de Marco Rocha)
Uma possível funcionalidade do SIB, que se espera alcançar num futuro próximo, é a possibilidade de gerar relatórios (não possibilitados pelas etiquetas atuais do PJe). Sobre o assunto dos medicamentos, sonha-se ainda com uma segunda etapa de integração com a União, para que ela possa controlar a quantidade de demandas no Judiciário e se planejar em termos de aquisição de medicamentos – projeto que poderia se estender para todos os tribunais do País.
Quanto a outras aplicabilidades SIB, no gabinete do desembargador federal Newton Ramos seu uso não tem se restringido somente ao tema medicamentos. Novos assuntos também começaram a ser pesquisados, ajudando a agilizar e melhorar a prestação jurisdicional. Alguns exemplos são as buscas por processos em sobrestamento ou com risco de perecimento de direito e temas da lista de prioridades do gabinete.
Isso é possível porque são muitos os filtros do Sistema Inteligente de Busca, que permite pesquisar, no PJe, tipos de decisão, polos, classe processual, data de juntada, número do processo, assunto classificado, advogado, tipo de documento, entre outros.
Dois anos de Lab: um pouco do que a inovação é capaz
O desenvolvimento do SIB para auxiliar na resposta da Justiça Federal ao problema do fornecimento de medicamentos é só uma dentre outras soluções que a inovação vem possibilitando no âmbito do TRF1.
Foi durante a gestão do desembargador federal I’talo Mendes, então presidente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1), que o Laboratório da Justiça Federal da 1ª Região foi instituído (Portaria Presi 130/2022), no dia 31 de março de 2022, como a “incubadora de soluções” para catalisar a inovação na Justiça Federal. Menos de uma semana depois, no dia 6 de abril, o espaço físico do laboratório era inaugurado, como parte das instalações da Biblioteca do Tribunal, em Brasília/DF.
“Daí pra frente”, os primeiros passos do LabJF1 envolveram visitas a outros laboratórios, como o Iluminas, a capacitação dos laboratoristas que atuariam na 1ª Região (hoje composta de uma equipe já capacitada e multidisciplinar de magistrados e servidores de diversas áreas do TRF1) e a realização das primeiras atividades no espaço do laboratório, como a primeira oficina prática de Design Thinking, em outubro de 2022.
O Design Thinking tem sido uma das ferramentas do LabJF1 mais utilizada, embora não seja a única (
confira a lista no site do laboratório). Envolve cinco etapas (empatia, redefinição, ideação, prototipação e testagem) e foi fundamento de projetos do laboratório como o “Hub-LABJF1”, inscrito no Prêmio CNJ, e do projeto que originou o SIB.
Há 26 anos na Justiça Federal, Milena Araújo é hoje diretora do Núcleo de Apoio ao Laboratório de Inovação (Nulab) e tem uma longa estrada no TRF1. Milena viu nascer o LabJF1 e o Nulab. “Desde as primeiras atividades no laboratório, sempre me chamou atenção essa atmosfera colaborativa do ambiente. Sempre me senti desafiada a pensar de maneira inovadora e de alguma forma tentar contribuir com essa busca de soluções criativas”, conta.
A diretora do Nulab participou das capacitações de laboratoristas oferecidas pelo TRF1 e dos projetos desenvolvidos até então no laboratório, bem como da aplicação de oficinas com unidades demandantes, como foi o caso da experiência com a Assessoria de Comunicação Social também no ano passado.
“Um dos principais aprendizados que eu levo nesses dois anos é exatamente a importância da colaboração e do trabalho em equipe. Essa troca constante de conhecimento e experiência contribui de forma muito significativa também para meu desenvolvimento pessoal e profissional. Sou profundamente grata por fazer parte dessa equipe, contribuindo, um pouquinho que seja, com essa missão de promover a inovação dentro do Tribunal”, afirmou Milena Araújo.
Já a servidora Adriana Ferreira, atualmente diretora da Divisão de Automação e Inteligência Artificial da Cofaj, destaca que o laboratório vem se aprimorando nesses dois anos principalmente na realização dos projetos demandados pelo CNJ, ligados à agenda 2030. “Nos últimos dois anos, o que mudou foi a conscientização sobre a importância da inovação, da implementação de tecnologia para modernizar no Judiciário e de uma maior colaboração entre os diferentes setores envolvidos. Ainda há muito a ser desenvolvido, como a implementação de sistemas de inteligência artificial mais avançados para o sistema judicial, além disso, é importante investir nos processos de Gestão de Pessoas, Gestão de Conhecimento e principalmente continuar investindo na disseminação da Cultura da Inovação”, apontou.
Mesmo com o olhar no futuro, ela não deixa de já reconhecer o papel do lab em desenvolver novas habilidades e conhecimentos, por meio do pensamento crítico, resolução de problemas, gestão de mudanças e uso de tecnologias – habilidades que servem não apenas no trabalho, mas também para a vida pessoal.
Pelos dois anos do LabJF1, também a coordenadora do laboratório, juíza federal Maria Cecília de Marco Rocha, manifestou sua alegria em celebrar a data. “Parabéns ao LabJF1 por seus dois anos de instalação! Dois anos em que trilhamos o caminho do aperfeiçoamento e do treinamento e da maturação, rumo ao pleno funcionamento de nossa incubadora de soluções, de nosso hub de inovação!”
E daqui pra frente?
Os próximos passos para lidar com o problema do julgamento de casos envolvendo medicamentos, segundo a conclusão do trabalho desenvolvido no LabJF1, são: fomentar soluções alternativas de conflito nessa área, expandir o projeto para todos os medicamentos (não apenas os de alto custo), compartilhar a solução com outros tribunais e fornecer dados para o ensinamento da Inteligência Artificial do TRF1 “Análise legal Inteligente (Alei)”.
Em uma mensagem final da equipe do Laboratório sobre o projeto “medicamentos: alto custo x baixa espera”, o grupo afirmou que a ação, embora ligada à meta 9 da Agenda 2030 do Poder Judiciário, não teve um viés puramente de cumprimento de uma formalidade. Pelo contrário, visou “mudar a forma de pensar e atuar nos casos mais caros aos jurisdicionados, vez que objetiva resguardar o direito à vida e à dignidade humana em tempo razoável”.
“A sensibilidade do caso concreto é, sem dúvida, em maior medida para o jurisdicionado, mas não deixa de preocupar aquele que julga, afinal o peso de uma vida está em suas mãos. Foram com encontros, dinâmicas e entrevistas realizadas com atores internos e externos ao tribunal que a equipe do LabJF1 pôde conhecer e vivenciar um pouco da rotina de grande parte dos envolvidos no assunto. A partir disso tornou-se possível agilizar o trabalho daqueles que julgam para, na outra ponta, conferir o direito àqueles que anseiam pela tutela jurisdicional”.
Saiba mais
Para outras informações sobre o SIB, atual disponibilidade e gabinetes em fase de teste, o interessado pode encaminhar uma mensagem para o e-mail para labjf1@trf1.jus.br ou ligar nos telefones (61) 3410-3543 (ou finais 3531/3574).
Sobre o Direito à Saúde, a Assessoria de Comunicação Social do TRF1 elaborou uma edição especial do programa audiovisual Inteiro Teor (IT 419). Nesta edição, os repórteres relembram casos de garantia do direito à saúde decididos pelo Tribunal.
A Rede de Inteligência da 1ª Região realizou, no começo do ano, quatro encontros sobre a Resolução CNJ 530/2023, que institui a Política Judiciária de Resolução Adequadas das Demandas de Assistência à Saúde. Um resumo dos debates foi trazido em notícias de cobertura no portal do TRF1 entre os meses de março e abril. Confira alguns deles:
01/04/2024 – Reint1 prepara nota técnica sobre tratamento das demandas de saúde
04/03/2023 – Rede de Inteligência da 1ª Região discute soluções para os conflitos de saúde no Judiciário
Ana Luiza Nogueira
Assessoria de Comunicação Social
Tribunal Regional Federal da 1ª Região