Manoel Paulo da Costa, de 61 anos, conseguiu se aposentar no dia 19 de março, em Breves, município do Arquipélago do Marajó, no Pará, localizado a cerca de 200 quilômetros da capital Belém. O acordo que ele realizou com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e que garantiu a aposentadoria dele como trabalhador rural foi um dos primeiros feitos no Ponto de Inclusão Digital Multi-institucional da Justiça Federal no Marajó (Multi PID Marajó), primeiro deste modelo na Justiça Federal da 1ª Região.
Aposentar-se não foi nada fácil para Manoel. Ano passado ele e a sobrinha, Maria Elizete, que também é trabalhadora rural, precisaram viajar 24 horas de barco da cabeceira do Rio Mapuá (local onde residem) até Belém, para dar entrada no pedido de aposentadoria no INSS. O pedido foi negado e Manoel teve que recorrer ao Juizado Especial Federal do Pará.
Ele ajuizou a ação na 10ª Vara e aguardou a intimação para a audiência de conciliação no Multi PID Marajó, onde recebeu a notícia de que sua aposentadoria havia sido concedida. “Isso foi uma bênção para nós”, comemorou Maria Elizete. “É muito bom não termos mais que pegar um barco e gastar um dia para chegar até Belém em busca de um benefício da Previdência”, disse a sobrinha.
Maria Elizete diz que, como o tio, milhares de outros ribeirinhos residentes na região da cabeceira do Rio Mapuá encontram-se na mesma situação, mas agora com o novo Ponto de Inclusão Digital terão mais facilidade para obter os benefícios a que têm direito.
“Conheço muita gente na mesma situação. Todos são ribeirinhos, que não sabem como fazer nessas questões que envolvem o INSS. E muitos têm vergonha de procurar ajuda. Como eu me mostro interessada em ajudá-los, eles recorrem a mim. E sempre tem a dificuldade do deslocamento que agora vai ser muito menor”, contou.
O papel da itinerância
O exemplo do senhor Manoel é representativo e mostra como o PID multi- institucional de Breves é muito importante para as populações ribeirinhas do Arquipélago do Marajó, que antes precisavam se deslocar durante 24 horas – ou até mais – de barco, até Belém, para pedir seus direitos junto à Previdência Social.
Além da dificuldade de acesso, o juiz federal Paulo César Moy Anaisse, vice- coordenador dos Juizados Especiais Federais do Pará (Cojef/PA), explicou: “temos notado um certo grau de desinformação acerca da existência das vias jurisdicionais, em especial da Justiça Federal, sendo extremamente difícil fazer chegar essa informação, mesmo nas ocasiões de realização dos Juizados Especiais Federais itinerantes”.
Outra dificuldade apontada pelo juiz é a financeira. “Devido ao escasso sistema de transporte existente no estado, o custo das viagens é demasiadamente elevado para a população pobre que ali reside”, explicou Paulo César.
O que é um Ponto de Inclusão Digital?
A instalação dos Pontos de Inclusão Digital segue determinação da Resolução 508/2023 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O normativo dá aos tribunais a responsabilidade de instalar os pontos digitais, na medida das suas disponibilidades, por meio de ações conjuntas nas cidades, povoados, aldeias e distritos que não sejam sede de comarca ou de unidade física do Poder Judiciário.
Para implementação dos PIDs, o normativo considerou outras iniciativas de inclusão digital bem-sucedidas do Poder Judiciário brasileiro como os Postos Avançados de Atendimento, os Fóruns Digitais, o Justiça de Todos e os Juizados Especiais Federais Virtuais. Este último, criado pela Lei 10.259/2001, com o objetivo de processar e julgar, de forma rápida e simplificada, as causas de menor complexidade da Justiça Federal.
Esse meio eletrônico de tramitação de processos está em funcionamento na 1ª Região desde 2003 e além de eliminar a movimentação de processos físicos (em papel), atualmente, é o que torna possível a instalação dos pontos de inclusão digital, pois somente quem tem um processo tramitando no JEF Virtual pode ter uma audiência, como a do senhor Manoel, no PID.
Ambas as iniciativas ampliam o acesso à Justiça por meio da inclusão digital, especialmente em lugares em que não existe nenhuma unidade física do Poder Judiciário. E isso pode ser feito de qualquer sala ou espaço em que seja possível realizar atos processuais (depoimentos de partes, de testemunhas, audiências, atendimento no Balcão Virtual), pelo sistema de videoconferência e com acesso à internet.
Além disso, em um Ponto de Inclusão Digital também podem ser feitas perícias médicas e outros serviços públicos voltados à cidadania. O atendimento aos usuários da sala de videoconferência é realizado conforme agendamento da pauta de audiências da unidade a qual o ponto está vinculado. Por exemplo, o Multi-PID Marajó está vinculado à Seção Judiciária do Pará, e segue os atos determinados pelas secretarias dos juizados especiais federais, como marcação de audiências e perícias.
O ponto digital no Marajó é Multi-institucional e representa um grande avanço na efetivação de direitos, pois é fruto de um acordo de cooperação entre várias instituições.
Segundo o juiz federal diretor do Foro da Seção Judiciária do Pará, Domingos Daniel Moutinho, “estamos inaugurando um modelo peculiar e de certa forma inovador de Ponto de Inclusão Digital. A Justiça Federal repassou dois veículos ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Pará (IFPA) – Campus Breves –, que estavam em processo de desfazimento, cedeu duas bolsas de estágio de nível médio em favor dos alunos do Instituto que ficarão vinculados à Justiça Federal para operar o PID e firmou parceria com a Faculdade Metropolitana do Marajó (Famma), que assumirá a atermação, enquanto a Prefeitura entrará com a força de trabalho. Portanto, este é um PID multi-institucional, multissetorial e multifuncional, uma vez que será possível a realização de audiências, perícias e atermações. Enfim, um PID de muitas mãos”.
Plantando sementes
“Breves está dando um exemplo ao país. E quando a gente traz a força da academia, dos estudantes e dos professores para colaborar com a Justiça, tem-se a percepção de que a Justiça não é um monopólio do Judiciário, a Justiça é um dever cívico de todos nós. Todos temos que colaborar”, disse o desembargador federal Carlos Augusto Pires Brandão, então coordenador dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região, à época da instalação do PID de Breves, ao elogiar a parceria entre a Seção Judiciária, a Faculdade Metropolitana e a Prefeitura do município.
Segundo o magistrado, há uma urgência em buscar alternativas que permitam aproximar a Justiça Federal das populações que residem em áreas de difícil acesso no interior do país e essas parcerias institucionais são essenciais para o enfrentamento de desafios que o Judiciário, sozinho, não pode superar.
Desde a determinação do CNJ em 2023 (Resolução 508), a Cojef/TRF1 apoiou a instalação dos PIDs na 1ª Região e até abril deste ano, de 27 pontos já foram instalados: 11 unidades na Bahia (Chorrochó, Cícero Dantas, Canudos, Jeremoabo, Uauá, Campo Alegre de Lourdes, Castro Alves, Jacobina, Queimadas, Riachão do Jacuípe e Miguel Calmon); 11 no Maranhão (Estreito, Porto Franco, Sítio Novo, Grajaú, Paraibano, Cidelândia, Açailândia, Itinga, Amarante, Montes Altos e Pinheiro); um na cidade de Piripiri, no Piauí; um na cidade de Cavalcante, em Goiás; um no município de Sorriso, no Mato Grosso; e dois nas cidade Parauapebas e Breves (Multi- PID Marajó), no Pará.